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Quem Forma o Olhar do Colecionador?

Mais do que adquirir obras, colecionar é construir um repertório. E isso leva tempo, exige disposição para lidar com o que ainda não está nomeado. Ao contrário do que se imagina, o olhar do colecionador não nasce pronto. Ele se forma. E, como toda formação sólida, não depende só do gosto, mas da consciência de que o gosto também pode ser expandido.


Em um mercado cada vez mais pautado pela velocidade, pela imagem e pela performance, a figura do colecionador foi sendo associada a um papel de consumo: aquele que investe, que acumula, que transforma obras em ativos. Mas essa lógica empobrece o lugar que a coleção pode ocupar. Porque uma coleção não é acervo, é pensamento em construção. E o olhar que a orienta se forma nas escolhas que não buscam apenas o impacto, mas a coerência.


Quem orienta esse olhar? A curadoria é uma resposta possível. Mas não é a única. O artista, o crítico, o marchand, o educador, o ateliê visitado, a conversa informal após uma abertura, tudo isso participa da formação de um olhar que vai se tornando mais preciso, mais sensível e, principalmente, mais autônomo. Porque a boa formação não cria dependência, ela fortalece critérios.


O problema começa quando o colecionador terceiriza completamente esse olhar. Compra porque foi indicado, adquire porque é tendência, escolhe porque todos estão escolhendo. Nesse ponto, deixa de construir e passa a repetir. E não há nada mais frágil do que uma coleção feita para agradar a lógica do outro.


O mercado, claro, tem suas forças. E é legítimo que o colecionador queira investir com segurança. Mas segurança e autenticidade não são opostas. Pelo contrário: quanto mais consistente for o olhar, mais precisa será a decisão de compra. O risco existe, mas ele diminui à medida que o colecionador entende o que está vendo, o que está adquirindo, e por que escolhe determinada obra naquele momento da sua trajetória.


Formar o olhar exige disposição para errar. Para mudar de opinião. Para reconhecer que uma obra que não tocou ontem pode fazer sentido amanhã. E, principalmente, para aceitar que a sedução visual nem sempre indica profundidade. Muitas vezes, o que agrada de imediato se esgota rápido.


O colecionador que forma seu olhar sabe que a coerência de uma coleção não se dá apenas pela estética. Ela nasce da relação entre as obras, dos vínculos que se revelam com o tempo. Às vezes, é o gesto que se repete, o vazio que se insinua, a cor que insiste, o corpo que aparece mesmo quando ausente. Uma coleção não é um conjunto de peças, é uma narrativa em movimento. E quem coleciona com consciência sabe que está escrevendo essa narrativa com escolhas que vão além da aparência.


Isso exige aproximação. Exige mais do que visitar feiras e galerias. Exige tempo em ateliês, escuta em conversas com artistas, leitura de textos que não vendem nada, mas explicam muito. Exige disposição para conviver com o que ainda está se formando, com o que não tem nome, com o que não está pronto. O colecionador que se permite esse tipo de experiência aprende a ver o que ainda não é evidente. E isso é olhar em estado de formação contínua.


A curadoria, nesse processo, pode atuar como mediadora, não como chancela. O papel não é dizer o que vale a pena, mas ampliar as perguntas. É provocar conexões, sugerir percursos, tensionar certezas. A curadoria que serve à formação do olhar não dita o gosto, ela desafia o automatismo do gosto. E isso faz diferença.


Colecionar não é seguir um padrão, nem repetir o gesto do vizinho. É afirmar uma sensibilidade própria. E sensibilidade se cultiva. Se treina. Se afia com o tempo. O colecionador que entende isso começa a buscar mais do que obras belas, busca obras que dialogam entre si, que apontam direções, que ampliam sua percepção do mundo.


Há coleções que são investimento. Outras que são testemunho. E há aquelas que são linguagem. Quando o olhar do colecionador amadurece, a coleção passa a falar por si. Sem explicações. Sem ostentação. Apenas com a presença de escolhas que carregam sentido.


Quem forma o olhar do colecionador, então? Todos os que contribuem para que ele deixe de ser apenas consumidor e se torne um agente de leitura. Mas, sobretudo, ele mesmo, na medida em que se envolve com a arte não apenas para possuí-la, mas para compreendê-la.

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