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Pequenas Verdades Invisíveis | Recortes Contemporâneos

“É preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela dançante.” Friedrich Nietzsche


Há belezas que precisam da sombra para existir. Os girassóis murchos, como em As Ordens da Noite de Anselm Kiefer, lembram que o fim também é forma. O tempo os inclina, mas é nessa curva que nasce a semente. A arte fala desse intervalo, entre o que morre e o que se prepara para germinar, onde a matéria se refaz e o olhar descobre que a criação nunca termina, apenas muda de estação.



As Ordens da Noite (Die Orden der Nacht) , 1996 | Anselmo Kiefer
As Ordens da Noite (Die Orden der Nacht) , 1996 | Anselmo Kiefer

Algumas verdades não se mostram de imediato. Ficam nas margens do dia, escondidas em gestos pequenos, naquilo que o olhar cansado ignora. A arte nasce desse tempo, quase teimoso, de quem observa antes de entender. O artista tenta lidar com o que não aparece logo. Olha, hesita, volta. Aos poucos, o banal vira pensamento, e o simples ganha peso. Quando o olhar desacelera, o mundo muda de feição.


Nietzsche via a arte como necessidade, um modo de seguir vivendo mesmo quando a razão falha. Criar, para ele, era enfrentar o caos e dar-lhe forma. Merleau-Ponty pensava diferente, mas tocava o mesmo ponto: o corpo pensa, e a visão se transforma em consciência. São visões distintas, unidas pelo mesmo impulso, compreender o real sem aprisioná-lo. A filosofia tenta explicar; a arte prefere ver. O artista pensa dentro da matéria, sem distância. Às vezes erra, outras acerta, mas é nesse caminho incerto que o pensamento se constrói.


No ateliê, o tempo tem outro ritmo. A ideia inicial se dissolve, o gesto muda, o material interfere. Criar é aceitar que o resultado nunca é o esperado. Nietzsche dizia que o artista cria para suportar o peso da vida. Merleau-Ponty via na pintura a prova de que o corpo pensa. Entre os dois, há um mesmo entendimento: o conhecimento nasce do fazer. Não vem da teoria, vem da experiência, do corpo que age. A verdade, quando aparece, é fruto de insistência, não de revelação.


As pequenas verdades aparecem nas variações da cor, no traço que busca medida, no olhar que insiste em ficar. Não se explicam, apenas se percebem. O artista as encontra quando deixa que o trabalho conduza o pensamento. O espectador, se atento, sente a mesma vibração, não entende totalmente, mas reconhece algo que é real. A arte devolve ao olhar a tarefa de ver, simplesmente ver. E quando isso acontece, o mundo, ainda o mesmo, parece outro.


A arte não explica o mundo, mas o mantém em aberto. Seu papel talvez seja esse: impedir que o real se torne previsível. Cada obra é uma tentativa de pensar com o olhar, de transformar percepção em linguagem. A filosofia busca definir, dar contorno às coisas. A arte segue outro caminho, prefere sugerir. Entre esses dois modos de pensar, existe um campo de convivência, feito de dúvida e descoberta. É nele que nascem as pequenas verdades invisíveis, não como afirmações, mas como percepções que o olhar reconhece antes mesmo de compreender. O artista, sem saber, acaba criando uma forma de conhecimento que não cabe em teoria alguma, um saber que vem do corpo, da experiência, do gesto que insiste em continuar mesmo quando tudo já parece resolvido.

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