Quando a Abstração se Torna Encontro
- Marisa Melo
- 24 de jul.
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A abstração, quando bem conduzida, não afasta, aproxima. Nos trabalhos de Carla Paula, há um desejo claro de contato, com o gesto, com a cor, com o invisível que se organiza em superfície. Seu percurso autodidata se revela como impulso: é na prática que sua linguagem se estabelece, sem dependência de modelos ou fórmulas externas. A artista mineira pinta como quem ora, não pela repetição, mas pela entrega àquilo que não se controla por inteiro. Sua matéria é a cor, mas sua busca é por equilíbrio, ritmo e presença.
Os trabalhos não buscam representar, mas organizar impressões em campos visuais que combinam o rigor estrutural com uma liberdade fluida. Há uma atenção constante ao espaço, às transparências e aos limites do gesto. A paleta é determinada, mas aberta a contrastes, entre calor e luz, entre opacidade e transparência, entre decisão e espontaneidade. A tela não é tratada como fundo, mas como campo de aparição, onde a fé se torna composição.

A pintura de Carla se move por intuição, mas não abdica da construção. Suas aquarelas mostram o quanto a água, em mãos cuidadosas, pode ser linguagem de clareza. Já suas acrílicas revelam camadas, texturas, forças internas que escapam à descrição. A abstração é revelação. Seus quadros não impõem interpretação, mas sugerem permanência do olhar, como se pedissem ao espectador que permanecesse mais um pouco, atento às sutilezas de uma pintura que fala menos sobre coisas e mais sobre estados.
Entre gestos verticais e zonas de pigmento acumulado, Carla Paula constrói sua própria gramática visual. Uma pintura que se oferece como contemplação e, ao mesmo tempo, como afirmação de fé na arte como caminho possível. Num campo onde o excesso de intenção muitas vezes sufoca a imagem, sua obra opera o contrário: ela abre espaço. E nesse espaço o olhar repousa, sem explicações, sem demandas, apenas diante daquilo que, com simplicidade, nos comove.
Marisa Melo