Mark Rothko | Passaporte para a Imortalidade
- Marisa Melo

- 6 de jan.
- 3 min de leitura
Atualizado: 18 de set.
A Arte é o espelho da nossa alma. Dorian Gray e Fausto retratam sonhos: beleza, prazer, sabedoria... Oscar Wilde e Goethe souberam captar nosso íntimo, retratar suas épocas e entraram para a História. Esse é o poder da folha, da partitura e da tela em branco. Elas não esperam apenas mais um texto, mais uma canção, mais um quadro. Diante delas, um inglês escreveu “Ser ou não ser”. Um alemão combinou quatro notas mágicas em sua 5ª. Sinfonia. E um italiano pintou um sorriso enigmático. Passaram-se os séculos. E Shakespeare, Beethoven e da Vinci seguem vivos e reverenciados. Nenhum deles planejou isso. Mas ao traduzirem suas almas em suas obras, conquistaram um passaporte para a imortalidade. Quando essa entrega acontece, o observador é conquistado. E aplaude um estilo, que buscará avidamente no próximo quadro. Até criar uma intimidade que lhe permita em segundos relacionar a obra ao autor.
Vamos conversar sobre alguns artistas e seus estilos inconfundíveis.
Hoje conosco, Mark Rothko.

Na superfície aparentemente simples de seus quadros, o observador encontra campos de cor que não se esgotam jamais. Tons sobrepostos, retângulos flutuantes, vibrações que parecem pulsar em silêncio. Não há narrativa, não há figura. E, no entanto, diante deles, sentimos uma presença tão avassaladora quanto íntima. É como se Rothko tivesse descoberto a linguagem secreta da alma: não a palavra, mas a cor expandida em atmosferas.
Conhecer sua vida é fundamental para compreender a densidade de sua obra. Markus Rothkowitz nasceu em 1903, em Dvinsk, no então Império Russo (hoje Letônia). Aos dez anos, emigrou com a família para os Estados Unidos, fugindo da perseguição antissemita. Cresceu em Portland, Oregon, em meio às dificuldades da adaptação a um novo país. Mais tarde estudou em Yale, mas abandonou a universidade, aproximando-se do mundo artístico em Nova York. Sua trajetória pessoal foi marcada por deslocamentos, inseguranças e crises, ecos de uma vida de fronteiras atravessadas que transbordaram em sua pintura.
Nos anos 1940, começou figurativo, interessado em mitologias e símbolos universais. Mas foi nos anos 1950 que Rothko atingiu o ápice, criando as telas monumentais que hoje definem seu estilo. Campos de cor intensos, geralmente em camadas de vermelhos, ocres, azuis ou pretos, aplicados em grandes superfícies verticais. Sua técnica consistia em sobrepor veladuras de tinta óleo diluída, criando profundidades quase imateriais. O espectador, diante dessas pinturas, não apenas vê: ele é engolido pelo campo cromático, como se fosse absorvido para dentro da tela.
Há algo de ritual em sua arte. Rothko recusava que suas obras fossem vistas como decoração ou exercício formal. Para ele, eram experiências espirituais. Em 1958, quando recebeu a encomenda dos murais do restaurante Seagram em Nova York, recusou entregá-los após perceber que seriam reduzidos a ornamento em um espaço de luxo. Essa atitude evidencia sua convicção de que a arte deveria provocar, perturbar e transformar.
Suas telas, muitas vezes, parecem abrir portas para o indizível. As camadas de cor não são apenas forma, mas matéria carregada de emoção, memória e angústia. Em seu estúdio, trabalhava em silêncio, com a luz controlada, buscando criar atmosferas quase litúrgicas. E exigia que suas obras fossem expostas em proximidade íntima, como janelas para uma experiência direta e profunda.
Em 1970, aos 66 anos, Rothko tirou a própria vida. Uma morte trágica, mas que não eclipsa sua obra, pelo contrário, intensifica ainda mais a percepção de que sua pintura foi também uma luta contra o vazio existencial. É inevitável pensar que aqueles grandes campos de cor carregavam o peso de sua própria escuridão interior. Ainda assim, seus quadros permanecem, vibrando, tocando gerações, como monumentos silenciosos à condição humana.
Mark Rothko é, sem dúvida, a definição de uma identidade artística absoluta. Seus quadros não precisam de assinatura. Bastam segundos para reconhecê-los. E, como as quatro notas iniciais da 5ª Sinfonia de Beethoven, sua pintura transmite tanto com tão pouco. A prova maior de que a simplicidade pode ser a via mais poderosa para a imortalidade.
Marisa Melo





