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Foto do escritorMarisa Melo

Passaporte para a Imortalidade - Artemisia Gentileschi

A Arte é o espelho da nossa alma. Dorian Gray e Fausto retratam sonhos: beleza, prazer, sabedoria... Oscar Wilde e Goethe souberam captar nosso íntimo, retratar suas épocas e entraram para a História. Esse é o poder da folha, da partitura e da tela em branco. Elas não esperam apenas mais um texto, mais uma canção, mais um quadro. Diante delas, um inglês escreveu “Ser ou não ser”. Um alemão combinou quatro notas mágicas em sua 5ª. Sinfonia. E um italiano pintou um sorriso enigmático. Passaram-se os séculos. E Shakespeare, Beethoven e da Vinci seguem vivos e reverenciados. Nenhum deles planejou isso. Mas ao traduzirem suas almas em suas obras, conquistaram um passaporte para a imortalidade. Quando essa entrega acontece, o observador é conquistado. E aplaude um estilo, que buscará avidamente no próximo quadro. Até criar uma intimidade que lhe permita em segundos relacionar a obra ao autor.

Vamos conversar sobre alguns artistas e seus estilos inconfundíveis.

Hoje conosco, Artemisia Gentileschi.



Artemisia Gentileschi


Em pleno século XVII, Artemisia Gentileschi alcançou um reconhecimento artístico que pouquíssimas pintoras conseguiram. Admiradora da obra de Caravaggio, ela dominava a técnica de combinar sombras e luzes de modo dramático e sua temática sempre destacou mulheres fortes e histórias bíblicas. Como ela conseguiu vencer os obstáculos? Por que as situações que viveu repercutem até hoje e fazem dela um exemplo de superação para mulheres do mundo todo?

Considerada a maior pintora do período Barroco, Artemisia Gentileschi nasceu em Roma em 1593. Se hoje as mulheres ainda têm espaços a conquistar, o que dizer do século XVII? Imagine um período em que o mundo artístico fosse fechado para elas. Em que lhes fosse negada a educação, o treinamento. E se tudo isso fosse superado, a elas fosse negado o reconhecimento. É fácil entender por quê poucas mulheres conseguiram se destacar na Arte do período.

O pai de Artemisia era artista e motivou os filhos a trabalhar em seu estúdio. Artemisia desde o início, superou os irmãos, destacando-se por seu talento e dedicação. Com doze anos, perdeu a mãe. Aos dezenove sofreu um estupro, que desencadeou um calvário de humilhações. A saída de Roma iniciou um período de recuperação em que sua arte se impôs e a fez conhecida em toda a Europa.

Ainda assim, depois de sua morte, seu trabalho só foi redescoberto e reconhecido mais de 300 anos depois.


A obra de seu pai foi fortemente influenciada por Caravaggio. Artemisia também recebeu essa influência e o modo como ela incorporou o que se convencionou chamar de “Tenebrismo”, resultou em contrastes de luz e sombra, uma iluminação que imprime dramaticidade aos rostos e aos perfis. Mas muito cedo ela projetou sua visão feminina contra uma sociedade que claramente oprimia e subjugava as mulheres.

Em suas personagens estão propositalmente ausentes os estereótipos do comportamento “esperado” das mulheres como timidez, delicadeza, suavidade. Suas mulheres são fortes, rebeldes, corajosas e poderosas. E as situações bíblicas que ela escolheu representar são justamente aquelas em que a mulher manifesta seu protagonismo.


Protagonismo negado no mundo artístico. Obras de muitas mulheres eram, na época, atribuídas a pintores famosos, com o argumento discutível de que isso facilitaria a comercialização por colecionadores homens que também consideravam que uma obra criada por uma mulher não seria valorizada. Algumas das obras de Artemisia foram atribuídas a seu pai.


Com dezenove anos foi estuprada por um jovem artista que estava, na época, a serviço de seu pai. Artemisia tinha esperança de se casar com ele. Quando ficou claro que isso não aconteceria, seu pai iniciou um processo que só foi aceito porque ela havia “perdido a virgindade”. E o estuprador foi apenas exilado. Nas sessões de julgamento ela foi exposta de modo humilhante e sofreu muito.


Muitos críticos justificam toda sua obra como uma resposta ao estupro. Essa é uma visão limitada, que reduz todo o talento da artista, comprovado pelo sucesso em Roma, Londres e Veneza, a um único episódio de sua vida. É como se uma secular engrenagem machista atribuísse o “mérito” de sua fama à ação do homem que a estuprou. Não vamos por esse caminho. Artemisia tinha brilho próprio. E quem associa sua temática ao estupro, mostra ignorar que sua famosíssima obra “Judith decapitando Holofernes” é anterior ao ataque.


No final do século XX suas obras foram resgatadas de um esquecimento secular. E seu brilho foi, enfim, reconhecido.

Final feliz? Ainda não. Porque não basta a indignação com o que se passou há 400 anos. É preciso questionar o que ainda prejudica as mulheres, artistas ou não, nos dias de hoje.

Faz só oito anos que a paquistanesa Malala foi atacada a tiros por defender a educação para meninas. Ainda são negadas oportunidades às mulheres. Elas ainda recebem menos que os homens em posições semelhantes. A mentalidade machista ainda prevalece. Assim como prossegue o vergonhoso favorecimento de pessoas de pele branca sem que se reconheça o racismo.


Sim, temos muito a evoluir. E cabe a cada um de nós agir de modo a que não passem mais 400 anos para que todas as crianças, tenham a oportunidade de estudar e manifestar os talentos.

Das novas Artemisias e dos novos da Vinci.

Depende de nós.








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