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Roberto Burle Marx | Passaporte para a Imortalidade


A Arte é o espelho da nossa alma. Dorian Gray e Fausto retratam sonhos: beleza, prazer, sabedoria... Oscar Wilde e Goethe souberam captar nosso íntimo, retratar suas épocas e entraram para a História. Esse é o poder da folha, da partitura e da tela em branco. Elas não esperam apenas mais um texto, mais uma canção, mais um quadro. Diante delas, um inglês escreveu “Ser ou não ser”. Um alemão combinou quatro notas mágicas em sua 5ª. Sinfonia. E um italiano pintou um sorriso enigmático. Passaram-se os séculos. E Shakespeare, Beethoven e da Vinci seguem vivos e reverenciados.


Nenhum deles planejou isso. Mas ao traduzirem suas almas em suas obras, conquistaram um passaporte para a imortalidade. Quando essa entrega acontece, o observador é conquistado. E aplaude um estilo, que buscará avidamente no próximo quadro. Até criar uma intimidade que lhe permita em segundos relacionar a obra ao autor.


Hoje conosco, Roberto Burle Marx.




Burle Marx
Burle Marx

Burle Marx nasceu em São Paulo, em 1909, mas não ficou preso à cidade natal. Cresceu entre Recife e o Rio de Janeiro, lugares onde descobriu os quintais tropicais ainda vistos como imitações dos jardins europeus. Desde muito cedo gostava de música, de desenhar, de experimentar cores. Era um menino curioso, tentando encontrar um jeito próprio de olhar o que estava ao redor.


Na juventude, passou um período em Berlim. Caminhava pelos museus, acompanhava as vanguardas, mas foram os jardins botânicos que lhe causaram a maior surpresa. Encontrou espécies brasileiras cultivadas em estufas, admiradas por estrangeiros, mas quase desconhecidas em sua própria terra. Quando voltou ao Brasil, decidiu que seu trabalho não poderia repetir modelos importados. Sua matéria-prima seria a flora nativa, tratada não como curiosidade exótica, mas como protagonista de uma nova linguagem.



O modernismo e a invenção do paisagismo moderno


O Brasil dos anos 1920 e 1930 passava por uma transformação cultural. O movimento modernista reivindicava um olhar próprio, capaz de romper com a dependência da tradição acadêmica europeia. Na literatura, Mário de Andrade e Oswald de Andrade; nas artes plásticas, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti; na arquitetura, Lúcio Costa e mais tarde Oscar Niemeyer. Nesse contexto, Burle Marx encontrou seu lugar, mas em um território ainda inexplorado: o paisagismo.


Até então, jardins no Brasil seguiam modelos franceses de geometria rígida ou ingleses de naturalismo romântico. Burle Marx reinventou a lógica: substituiu o arbusto exótico pela bromélia, o carvalho europeu pela palmeira imperial, a flor ornamental estrangeira pelo antúrio e pela helicônia. Criou manchas de cor e composições que lembravam telas abstratas. O jardim passou a se tornar linguagem autônoma, em diálogo com a pintura, a música e a arquitetura.

Assim nascia o paisagismo moderno brasileiro, uma síntese de botânica, urbanismo e arte.


O estilo de Burle Marx é inconfundível. Curvas largas, desenhos que parecem ser vistos do alto como se fossem mapas, contrastes cromáticos intensos e uso de plantas tropicais em larga escala. Suas composições são ao mesmo tempo pictóricas e musicais: lembram partituras em que cada espécie é nota, cada cor é acorde, cada textura é um compasso.

Para ele, não havia fronteira rígida entre artes visuais e paisagismo. Seus jardins eram pinturas ao ar livre; suas tapeçarias e murais eram extensões gráficas do mesmo raciocínio visual. Essa circulação entre suportes revela uma poética integrada, em que cada linguagem alimentava a outra.



Calçadão foi redesenhado em 1970 por Burle-Marx, que inverteu a posição do desenho, deixando as ondas de pedra paralelas às ondas do mar Foto: Sebastião Marinho / Agência O Globo
Calçadão foi redesenhado em 1970 por Burle-Marx, que inverteu a posição do desenho, deixando as ondas de pedra paralelas às ondas do mar Foto: Sebastião Marinho / Agência O Globo


Obras icônicas


Entre suas obras mais célebres está o calçadão de Copacabana, redesenhado nos anos 1970. O tradicional desenho em ondas portuguesas foi ampliado e transformado em escala monumental, criando uma superfície que une história e modernidade. Não é apenas piso: é paisagem coletiva, onde milhares de pessoas caminham diariamente sobre um desenho que é, ao mesmo tempo, memória e invenção.



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O Parque do Flamengo, inaugurado em 1965, é outro marco. Mais do que jardim, é urbanismo: Burle Marx integrou lazer, cultura e ecologia, criando um espaço que acolhe a cidade inteira. Ali, a vegetação nativa ganhou dimensão pública, tornando-se parte da experiência coletiva de estar no Rio de Janeiro.


Brasília também foi palco de sua genialidade. Nos jardins do Itamaraty e do Palácio da Alvorada, combinou monumentalidade e organicidade, mostrando que a paisagem podia dialogar com a arquitetura modernista sem subordinar-se a ela.









Muito antes da popularização do discurso ambientalista, Burle Marx já defendia a preservação da flora brasileira. Seu trabalho era também militância: colecionava espécies ameaçadas, alertava para a destruição de ecossistemas, cultivava a ideia de que proteger a natureza era proteger a própria identidade cultural.


Nesse sentido, não foi apenas artista, mas também ativista, transformando jardins em espaços de educação ecológica. Sua casa no Rio de Janeiro, o Sítio Roberto Burle Marx, é hoje registro desse compromisso, reunindo milhares de espécies catalogadas e preservadas.


Roberto Burle Marx faleceu em 4 de junho de 1994, no Rio de Janeiro. Deixou jardins espalhados por várias partes do mundo, obras plásticas em coleções importantes e, sobretudo, uma nova maneira de pensar o espaço urbano.


Ele inventou o paisagismo moderno brasileiro e inseriu o país em um diálogo internacional de igual para igual. Ao transformar plantas nativas em matéria de arte, fez do Brasil não apenas consumidor, mas criador de linguagem.


Burle Marx conquistou seu passaporte para a imortalidade ao redefinir o jardim como obra de arte moderna. Foi capaz de unir botânica, pintura e urbanismo em uma síntese que até hoje molda a forma como vivemos a cidade.


Sua obra não se limita a Copacabana, ao Parque do Flamengo ou a Brasília. Ela está presente na ideia de que a paisagem é cultura, de que o espaço público pode ser belo e educativo, de que a natureza brasileira merece protagonismo.


Burle Marx não apenas desenhou jardins: ele plantou uma visão de futuro. E é por isso que continua vivo, como um dos grandes nomes do modernismo e da arte do século XX.




Explore outros textos no Blog de Arte e acompanhe os projetos em movimento na Galeria. Para informações sobre mentorias e linguagem visual, visite a página de Programas.


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