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Aleijadinho | Passaporte para a Imortalidade


A Arte é o espelho da nossa alma. Dorian Gray e Fausto retratam sonhos: beleza, prazer, sabedoria... Oscar Wilde e Goethe souberam captar nosso íntimo, retratar suas épocas e entraram para a História. Esse é o poder da folha, da partitura e da tela em branco. Elas não esperam apenas mais um texto, mais uma canção, mais um quadro. Diante delas, um inglês escreveu “Ser ou não ser”. Um alemão combinou quatro notas mágicas em sua 5ª. Sinfonia. E um italiano pintou um sorriso enigmático. Passaram-se os séculos. E Shakespeare, Beethoven e da Vinci seguem vivos e reverenciados. Nenhum deles planejou isso. Mas ao traduzirem suas almas em suas obras, conquistaram um passaporte para a imortalidade. Quando essa entrega acontece, o observador é conquistado. E aplaude um estilo, que buscará avidamente no próximo quadro. Até criar uma intimidade que lhe permita em segundos relacionar a obra ao autor.


Vamos conversar sobre alguns artistas e seus estilos inconfundíveis.


Hoje conosco, Aleijadinho.



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Antônio Francisco Lisboa, mais conhecido como Aleijadinho, nasceu em 29 de agosto de 1738, em Vila Rica (atual Ouro Preto), coração pulsante da mineração colonial. Filho do arquiteto português Manoel Francisco Lisboa e de uma mulher escravizada, Isabel, carregava desde o nascimento a marca da mestiçagem, característica central da sociedade mineira do século XVIII. Faleceu em 18 de novembro de 1814, na mesma cidade, após uma vida marcada por uma produção monumental e por uma luta silenciosa contra a doença que o desfigurou.


A biografia de Aleijadinho é cercada de lacunas, mas o essencial nos chega pela tradição oral e pelo impacto de sua obra. Conta-se que, já na maturidade, começou a apresentar sinais da lepra (provavelmente hanseníase), que deformou suas mãos e pés, lhe roubou movimentos e lhe deu o apelido cruel que atravessou os séculos. O que poderia tê-lo condenado ao silêncio acabou se transformando em mito: auxiliado por aprendizes, amarrando ferramentas às mãos, continuou a esculpir até os últimos anos. Sua persistência não é apenas sinal de determinação, mas de um impulso criador que parecia mais forte que o corpo.


Aleijadinho foi o grande nome do barroco mineiro, estilo que encontrou em Minas Gerais um terreno fértil, alimentado pela riqueza do ouro e pela fé católica. O barroco, com sua dramaticidade, teatralidade e espiritualidade intensa, foi traduzido pelo artista em formas que carregam tanto herança europeia quanto uma identidade local. As curvas das igrejas, os anjos em pedra-sabão, os retábulos em madeira talhada: tudo respira um senso de urgência espiritual que ecoava o ambiente colonial, marcado pela efervescência religiosa e pelas contradições sociais da mineração.


Entre suas obras mais célebres estão os Doze Profetas, esculpidos entre 1800 e 1805 no adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas. Esculpidos em pedra-sabão, eles se erguem como sentinelas da fé, cada um com traços expressivos e gestos que parecem fundir humanidade e transcendência. Essas figuras, de olhar penetrante e corpos em movimento, não são apenas estátuas, mas verdadeiros personagens que dialogam com o visitante, carregados de teatralidade e força espiritual.


No mesmo santuário, Aleijadinho realizou também as Capelas da Via Sacra, com grupos escultóricos que narram os passos da Paixão de Cristo. Nelas, vemos a intensidade do drama barroco em sua expressão máxima: os gestos dilatados, as expressões de dor, a densidade narrativa que envolve o espectador como se fosse parte da cena. Essas obras não apenas impressionam pela maestria técnica, mas pela capacidade de transformar o espaço religioso em experiência sensorial e espiritual total.





Sua atuação, no entanto, não se limitou a Congonhas. Em Ouro Preto, Sabará e São João del-Rei, suas talhas em madeira e ornamentações arquitetônicas definiram a estética das igrejas coloniais. Cada altar, cada detalhe entalhado guarda a marca de um estilo inconfundível: vigoroso, dinâmico, profundamente devoto.

A vida de Aleijadinho foi de recolhimento nos últimos anos, debilitado pela doença, mas sempre cercado do respeito de seus contemporâneos. Sua morte em 1814 encerrou a vida física, mas inaugurou o mito: o artista que, mesmo limitado pelo corpo, criou obras de uma vitalidade e espiritualidade arrebatadoras.


Aleijadinho conquistou seu passaporte para a imortalidade porque transformou a dor em criação e a limitação em grandeza. Suas esculturas permanecem como testemunhos não apenas de uma técnica extraordinária, mas de uma fé que se fez pedra e madeira, corpo e espírito. Sua arte fundou um capítulo da identidade brasileira, em que a herança barroca europeia se reinventou sob o céu de Minas. Diante de seus profetas e de suas cenas sacras, o observador não vê apenas imagens devocionais, mas a afirmação de que a arte é capaz de sobreviver ao tempo, à doença e à morte. É nesse gesto, tão humano e tão grandioso, que reside a sua imortalidade.

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