A Montanha como Espelho: o rito silencioso da essência
- Marisa Melo
- há 1 dia
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A obra "Em Busca da Essência", de Dani Xavier, é uma pintura que pulsa como um conto mitológico silencioso, onde cada cor, cada curva da paisagem, e cada figura etérea nos convida a um retorno íntimo, aquele que fazemos quando, em silêncio, ousamos nos despir do mundo e ouvir a alma.
Trata-se de uma composição em tinta acrílica sobre tela, medindo 60 por 80 cm, com data de 2025. A cena retratada parece brotar de um sonho: sob um céu noturno salpicado de estrelas ou talvez flores, um caminho em ziguezague conduz duas figuras luminosas em direção às entranhas de uma montanha dourada. É ali, nesse portal simbólico, que se desenha o mergulho espiritual, o mesmo que a artista traduz como o enfrentamento das sombras e o reencontro com a luz própria.
Dani Xavier adota uma linguagem visual que se aproxima do simbolismo onírico, mas que guarda ecos do expressionismo lírico em suas pinceladas curvilíneas e na vibração emocional da paleta. As cores narram. O dourado, onipresente, sugere não riqueza, mas transmutação. O azul profundo do céu parece sussurrar memórias esquecidas, enquanto os matizes florais do primeiro plano, vermelhos, rosas, lavandas e brancos, evocam um jardim de possibilidades interiores. Há um uso intencional da cor como veículo de passagem, entre o que fomos forçados a ser e aquilo que, em essência, somos.
A composição é fluida, orgânica, feita de curvas e texturas que guiam o olhar sem imposição. O rio, o caminho e as montanhas formam uma espiral silenciosa, quase ritualística. A ausência de linhas retas contribui para essa ideia de travessia interior, onde nada é abrupto, mas tudo é mutação. O centro da obra não é físico, é simbólico: está no instante em que a figura luminosa emerge da montanha, mais leve, mais vertical, quase translúcida, como quem, ao se encontrar, não precisa mais se esconder.
A luz, por sua vez, não vem de uma fonte externa. Ela emana das figuras, reforçando o aspecto espiritual da obra. Não há sombras duras ou contrastes dramáticos: há uma aura que envolve, envolve-nos, e pede contemplação. Essa escolha reafirma a proposta da artista de representar a jornada de dentro para fora, a iluminação como um reflexo do autoconhecimento.
Mas é sobretudo no mistério contido que a obra nos toca mais fundo. O desconhecido, não é ameaça, é convite. As figuras sem rosto são espelhos em branco, abertos à identificação de quem observa. Os montes, que em outra linguagem poderiam ser barreiras, são portais. O invisível é respeitado e sugerido, nunca explicado. Há um lirismo maduro nessa decisão de não nomear tudo, de deixar espaço para o silêncio e a interpretação.
Dani Xavier entrega, em sua pintura, uma vivência que exige do observador não apenas olhos, mas também memória, vulnerabilidade e coragem. É uma obra que nos pede para lembrar quem éramos antes das máscaras, antes dos nomes, antes da pressa. Uma pintura que pulsa como reza: silenciosa, mas insistentemente presente.