Quando recusar uma exposição
- Marisa Melo

- 23 de set.
- 3 min de leitura
Atualizado: 24 de set.

Dizer não protege linguagem e agenda. Depois de mais de 30 anos no mercado e com inúmeras exposições curadas no Brasil e na Europa, aprendi que aceitar toda proposta é a maneira mais rápida de diluir um percurso. Uma negativa clara e bem fundamentada preserva ritmo de produção, consistência de portfólio e saúde do projeto curatorial. O objetivo é simples, alinhar oportunidade a propósito. Quando isso não acontece, o melhor é declinar com elegância, oferecer alternativa e deixar a porta aberta para um futuro possível.
Critérios que importam
Tempo, a primeira triagem. Calendário apertado costuma gerar soluções apressadas, textos ruins, montagem frágil, comunicação irregular. Se o prazo não permite cumprir etapas mínimas, conceito fechado, seleção coerente, checklist técnico, logística, texto e fotos, a resposta ideal é não. Tempo adequado é parte da obra, sem ele a mostra perde medida.
Orçamento, a base do real. Exposição tem custos objetivos, transporte, seguro, moldura, impressão, fotografia, montagem, comunicação, equipe. Sem orçamento compatível, a curadoria vira gestão de carência. Ajustes são possíveis, formatos menores, número reduzido de obras, materiais simples, calendário alternativo, mas abaixo de um piso técnico a proposta deixa de ser exequível. Recusar, nesse caso, protege o trabalho e a reputação de todos.
Coerência, o centro crítico. Nem todo convite combina com a linguagem de um artista ou com a pesquisa de um espaço. Forçar encaixe por conveniência enfraquece as duas pontas. Coerência envolve tema, público, histórico do lugar, momento da carreira, expectativa de desdobramentos. Se a mostra não conversa com a fase atual do artista ou contradiz o programa curatorial, a recusa é a decisão responsável.
Contrato, o filtro de seriedade. Acordo por escrito não é formalidade, é garantia de pauta, cronograma, responsabilidades, direitos de imagem, políticas de venda, devolução de obras, seguros, cancelamentos e créditos. Proposta sem contrato claro costuma gerar conflito. Se a outra parte resiste a formalizar, agradeça, recuse e siga em frente. Nada substitui um documento simples e objetivo.
Alternativa, o caminho do meio. Nem toda recusa precisa ser ponto final. Quando a proposta é boa, mas o calendário é inviável, sugira nova data. Quando o orçamento é curto, proponha versão reduzida. Quando o tema é interessante, mas o espaço não favorece, indique local mais adequado. Recusar com alternativa demonstra profissionalismo e preserva a relação.
Proposta futura, a janela aberta. Um não bem sustentado pode virar um sim melhor. Registre os motivos da recusa, combine uma revisão em seis meses, envie dossier atualizado, compartilhe critérios, mantenha o contato aquecido. Carreira é maratona. Parcerias maduras nascem de expectativas alinhadas e conversas que continuam.
Como decidir, um roteiro rápido
Objetivo, a proposta reforça a linguagem do artista e a linha curatorial
Calendário confirmado, com prazos possíveis para produção e comunicação
Orçamento compatível com a lista técnica e a logística
Contrato enviado e coerente com as responsabilidades de cada parte
Desdobramentos plausíveis, catálogo, itinerância, coleções, imprensa, rede
Se duas ou mais respostas forem negativas, recusar é o melhor para o projeto. Se uma resposta for parcialmente positiva, ajuste o escopo ou reprograme. Se tudo estiver verde, avance. O não que fortalece!
Ao recusar, mantenha clareza e respeito. Explique o motivo principal em poucas linhas, tempo insuficiente, orçamento incompatível, proposta desalinhada. Agradeça o convite, ofereça uma alternativa viável, anote em agenda um retorno com data. Encaminhe materiais profissionais, biografia, imagens, texto curto, para que a conversa siga em outro formato. Um não bem dado educa o ecossistema, evita retrabalho e cria reputação de seriedade.
Quando o sim atrapalha
Aceitar para “marcar presença” quase sempre custa caro. Mostras mal planejadas drenam energia, geram imagem inconsistente e ocupam espaço de calendário que poderia ser dedicado a projetos mais estratégicos. Em vez de somar, subtraem. Depois de décadas trabalhando com artistas e instituições, vi muitas carreiras desorganizarem-se por excesso de eventos sem prioridade. Editar é parte do ofício. Dizer não é editar.
O que oferecer em troca
Quando a proposta merece cuidado, mas não cabe no agora, três caminhos funcionam:
Ensaio curatorial reduzido, poucas obras, texto preciso, foco em uma ideia, custos sob controle
Residência curta ou open studio, processo em vez de mostra formal, encontros programados, conteúdo para portfólio
Mesa de conversa e dossier, apresentação crítica da pesquisa, captação de parceiros para a futura exposição
Essas variações preservam o vínculo, geram material e constroem terreno para um sim estruturado no momento correto.
Recusar uma exposição é um ato de gestão. Protege linguagem, agenda e orçamento, preserva reputação e cria condições para projetos melhores. Com mais de 30 anos de mercado, sigo a mesma régua, tempo, orçamento, coerência, contrato, alternativa, proposta futura. Quando esses pontos se alinham, o sim chega forte e sereno. Quando não se alinham, o não é a forma mais inteligente de seguir adiante.
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