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Recortes Contemporâneos | A história da arte como fundamento

Atualizado: 18 de set.


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“Para conhecer o presente, é preciso atravessar o passado” – essa máxima serve de guia para refletirmos sobre a arte. Se hoje falamos em modernidade ou contemporaneidade, é porque um longo caminho histórico estabeleceu marcos, convenções e rupturas que moldaram a forma como olhamos, produzimos e legitimamos imagens. Compreender a arte clássica não é, apenas revisitar estilos do passado, mas reconhecer um alicerce fundamental sem o qual a modernidade e a contemporaneidade se tornariam fragmentadas, quase indecifráveis.



A arte clássica como estrutura

Quando falamos em arte clássica, pensamos sobretudo na Grécia e em Roma, matrizes estéticas que influenciaram o Ocidente durante séculos. Ali nasceram noções ainda hoje vigentes: a proporção como harmonia, a busca pelo equilíbrio, o corpo humano como medida e o espaço como representação racional. O “clássico” estabeleceu não apenas um vocabulário formal, mas uma gramática de valores.


Na Grécia, a escultura buscava o ideal humano, não um retrato individual, mas a expressão de perfeição e universalidade. Roma, por sua vez, desenvolveu a monumentalidade arquitetônica e a retratística realista, com ênfase em poder e memória. Esses pilares atravessaram o Renascimento, reapareceram no Neoclassicismo e permanecem, de maneira reinterpretada, em práticas atuais.


A arte clássica também inaugurou a noção de arte como disciplina intelectual, ligada a filosofia, matemática e política. O conceito de “beleza” que ainda discutimos vem dessa origem. Sem essa base, seria difícil compreender as revoluções posteriores, porque a modernidade nasce precisamente do embate com essas tradições.



Do Renascimento à consolidação da tradição

O Renascimento é, em muitos sentidos, uma “redescoberta” do clássico. Leonardo, Michelangelo e Rafael não apenas copiaram a Antiguidade, mas atualizaram seus valores. A perspectiva linear, a anatomia detalhada, o espaço construído pela razão: tudo isso trouxe para a arte a ambição de espelhar o real com rigor.


Mas o que importa notar é que, já nesse período, a tradição clássica não era estática: era reinterpretada à luz do presente. Essa dinâmica de revisitar e transformar é o que dá vida à história da arte. Do Barroco, com sua dramaticidade e teatralidade, ao Neoclassicismo do século XVIII, cada movimento foi um diálogo com os cânones antigos, ora reafirmando, ora tensionando seus princípios.


Entender a arte clássica é também entender a forma como cada época se posicionou diante dela. O passado funciona como contraponto. A modernidade só pôde se afirmar quando o peso do clássico já estava internalizado.




 Claude Monet, Impression, Soleil Levant (1872), a tela que deu nome ao movimento e libertou a pintura da narrativa histórica.
 Claude Monet, Impression, Soleil Levant (1872), a tela que deu nome ao movimento e libertou a pintura da narrativa histórica.


Pierre-Auguste_Renoir,_Le_Moulin_de_la_Galette
Pierre-Auguste_Renoir,_Le_Moulin_de_la_Galette


Vassily_Kandinsky,_1913_-_Composition_7
Vassily_Kandinsky,_1913_-_Composition_7

A modernidade como ruptura

O século XIX marca um ponto decisivo. A Revolução Industrial, as transformações sociais e políticas, o avanço científico e o nascimento da fotografia mudaram radicalmente a forma como a arte se relacionava com o mundo. A função de espelhar a realidade perdeu sentido quando a máquina fotográfica assumiu essa tarefa. Foi nesse vácuo que a arte moderna emergiu.


O Impressionismo abriu caminho ao libertar a pintura do compromisso de narrar histórias ou fixar semelhanças. A pincelada solta, a cor vibrante e a valorização da percepção subjetiva mostraram que a arte podia ser outra coisa: experiência sensível. Ainda assim, Monet, Renoir e Degas dialogavam com o passado – era preciso conhecer a tradição para negá-la.


Em seguida, movimentos como Cubismo, Futurismo e Abstracionismo levaram a ruptura ao limite. Picasso desconstruiu a forma clássica, fragmentando-a. Kandinsky rompeu com a representação figurativa, criando uma linguagem puramente abstrata. Mondrian reduziu a pintura a linhas e cores elementares. Mas é impossível compreender essas radicalizações sem pensar no que foi abandonado: proporção, anatomia, perspectiva. A herança clássica é, paradoxalmente, o pano de fundo contra o qual se ergue a rebeldia moderna.



A contemporaneidade como pluralidade


O século XX avança e, após as duas guerras mundiais, a arte torna-se campo de experimentação ilimitada. O modernismo já havia esgotado a ideia de vanguarda contínua, e a contemporaneidade se estabeleceu como espaço de multiplicidade. Não há mais um estilo dominante, mas uma miríade de linguagens: instalações, performances, vídeo, arte conceitual, pintura expandida.

Ainda assim, a tradição clássica continua ecoando. O corpo humano, tema central da Antiguidade, retorna em performances que exploram limites físicos e identitários. O espaço arquitetônico, valorizado pelos romanos, ressurge em instalações que ocupam galerias e museus de maneira monumental. A geometria, pensada desde Pitágoras, é reinventada por artistas concretos e minimalistas.


A diferença é que a contemporaneidade não se organiza em ruptura linear, mas em sobreposição. A arte hoje revisita, mistura, questiona e reinterpreta. Podemos ver referências ao clássico em fotografias digitais, em obras que usam inteligência artificial ou em pinturas que citam diretamente formas antigas. O passado deixou de ser modelo único para se tornar repertório disponível.



A importância da história da arte


Entender a arte clássica, portanto, é entender os fundamentos. Mas compreender a história da arte como um todo é essencial para captar como esses fundamentos foram reapropriados, contestados e reinventados. A história da arte não é uma linha reta, mas uma rede de continuidades e rupturas.


Quem olha apenas para a arte contemporânea sem esse percurso corre o risco de enxergá-la como caos, desconexão ou mera provocação. Quem entende que há um diálogo subterrâneo entre passado e presente percebe que a obra contemporânea, por mais experimental que seja, carrega ecos, respostas e críticas ao que veio antes.

A crítica de Greenberg ao kitsch, as análises de Gombrich sobre a tradição, as provocações de Danto ao falar do “fim da arte”: todos partem do pressuposto de que não existe criação isolada. O artista contemporâneo pode até rejeitar a história, mas sua própria rejeição só faz sentido porque existe um passado a ser negado.



A atualidade dessa discussão


Num cenário em que a arte se confunde com o mercado, com a comunicação e com a tecnologia, revisitar a história torna-se ainda mais necessário. O espectador precisa de ferramentas para discernir entre inovação vazia e experimentação consistente. Saber de onde viemos ajuda a identificar o que de fato é novo e o que apenas repete fórmulas de ruptura já gastas.


Para os artistas, o conhecimento histórico é alimento criativo. Não se trata de copiar estilos, mas de reconhecer que cada gesto carrega heranças. A arte contemporânea mais relevante é aquela que sabe dialogar com seu tempo sem ignorar a profundidade do passado.


Entender a arte moderna e a arte contemporânea exige compreender a arte clássica. Não porque devamos venerar cânones intocáveis, mas porque o clássico é parte constitutiva do vocabulário visual que herdamos. É referência e contraponto. É solo e é sombra.


A história da arte, por sua vez, é o fio que conecta passado e presente. Ao estudá-la, não estamos apenas acumulando conhecimento, mas aprendendo a ler as obras com maior clareza, reconhecendo nelas tanto continuidades quanto rupturas.

Assim, olhar para o clássico é também olhar para o agora. É perceber que a arte não se encerra em estilos ou períodos, mas é uma conversa permanente entre tempos. E só participa plenamente dessa conversa quem se dispõe a atravessar o percurso histórico que nos trouxe até aqui.


Marisa Melo

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