Paletas de cor: o que usar sem datar o ambiente
- Marisa Melo

- 13 de out.
- 3 min de leitura
As cores do ano carregam narrativas do presente, mas sua aplicação em interiores exige mais do que seguir tendências. Este ensaio reflete sobre como escolher paletas capazes de atravessar o tempo, equilibrando vibração e neutralidade para que o espaço não se prenda ao calendário.

Há uma cena que se repete anualmente: as grandes empresas de tinta e design anunciam suas “cores do ano”, cercadas por discursos que prometem traduzir o espírito do tempo. Como se a tonalidade escolhida pudesse condensar, sozinha, um estado de mundo. A cor, é atmosfera, memória, sensação. Quando a promessa se reduz à novidade, existe o risco de aprisionar os espaços no calendário da moda. A questão, então, não é apenas escolher a cor certa, mas compreender como estabilizar essa escolha para que um ambiente permaneça vivo sem se tornar datado.
No universo das paletas contemporâneas, a trajetória biográfica das cores conta tanto quanto suas aplicações. O azul profundo de 2020 carregava a sobriedade de um mundo em incerteza; o amarelo iluminado de 2021 pretendia devolver o otimismo; os verdes terrosos dos anos recentes evocaram retorno à natureza e equilíbrio. Cada cor anunciada é também uma narrativa de época. Como lembrou Goethe em sua teoria das cores, “a cor é um sofrimento e uma alegria para os olhos”, um registro sensível daquilo que nos marca, mesmo sem que percebamos. Ao olhar para as paletas do passado, notamos que elas dizem mais sobre a ansiedade de cada tempo do que sobre a permanência estética dos ambientes que ajudaram a compor.

Se pensamos em termos de linguagem visual, o problema não está na cor em si, mas na maneira como ela é estruturada dentro de uma composição. Paletas muito dependentes da tendência correm o risco de envelhecer na mesma velocidade com que o mercado anuncia a próxima. É por isso que os neutros, brancos quentes, off-whites, beges, cinzas sutis, marrons estáveis, funcionam como uma espécie de alicerce cromático. Eles não anulam as cores de destaque, mas oferecem o solo onde o tom vibrante pode repousar. Quando uma parede terracota se apoia em um fundo de cinza claro, ou quando um rosa saturado encontra equilíbrio no branco neve, o que se constrói é uma arquitetura visual durável. A força do tom do ano se mantém, mas sem aprisionar o espaço à sua data de nascimento.
As comparações entre paletas recentes mostram o quanto a transitoriedade pode ser suavizada. O verde-sálvia de 2022, por exemplo, ganhou estabilidade quando combinado com tons de areia e madeira natural; o digital lavender de 2023 encontrou equilíbrio ao lado de cinzas rosados e brancos cálidos; o peach fuzz de 2024 só se manteve sofisticado quando dialogou com o marrom profundo e o bege mineral. Em todos os casos, o segredo não estava no tom principal, mas na forma como os neutros operaram como mediadores. A cor do ano pode mudar a cada janeiro, mas os neutros são o que permitem que os interiores atravessem décadas sem se fixar em uma data específica.
Casa cor_2025
Em 2025, as paletas eleitas revelam uma inclinação por tons que oscilam entre o sereno e o convincente: um pêssego esmaecido com pitada de terracota, um azul petróleo com leve toque esverdeado, além de um verde musgo moderado. Essas escolhas parecem apontar para um anseio por suavidade e enraizamento, sem abandonar a força cromática. Ao lado dessas indicações globais, a Casa Cor 2025 reforçou a mesma direção com uma paleta que privilegia a organicidade: variações de verde mais densas, nuances de marrom terroso e sutis toques de dourado fosco aplicados em detalhes arquitetônicos. Ao observar essa convergência, nota-se que tanto o discurso internacional quanto o olhar curatorial da mostra brasileira caminham para a mesma busca: tonalidades que dialogam com a natureza, mas com sofisticação controlada. No entanto, sua afirmação não exige que o ambiente se torne refém da novidade. Inseridas em uma composição bem calibrada com neutros como ocre claro, cinza areia ou creme suave, essas cores duram além das tendências. Ao trazê-las para o espaço, cabe ao projeto encontrar o equilíbrio entre o pulso do agora e a serenidade de um suporte que as acolha sem deixá-las presas ao calendário.
No fundo, a discussão sobre paletas de cor do ano é também uma reflexão sobre tempo. Se cada cor anunciada captura algo do momento, o uso inteligente dos neutros transforma essa captura em permanência estética. Mais do que ceder ao calendário, cabe aos projetos compreender que os ambientes são sempre mais lentos que as tendências, e que sua beleza se mede não apenas pela novidade, mas pela capacidade de atravessar os anos com equilíbrio. Como escreveu Le Corbusier, “a arquitetura é o jogo sábio, correto e magnífico dos volumes sob a luz”. À sua maneira, a cor é parte essencial desse jogo, nunca isolada, sempre em diálogo com o que a sustenta.





