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Paletas de cor: o que usar sem datar o ambiente

As cores do ano carregam narrativas do presente, mas sua aplicação em interiores exige mais do que seguir tendências. Este ensaio reflete sobre como escolher paletas capazes de atravessar o tempo, equilibrando vibração e neutralidade para que o espaço não se prenda ao calendário.



Imagem: TODOS_CASACOR_2025
Imagem: TODOS_CASACOR_2025


Há uma cena que se repete anualmente: as grandes empresas de tinta e design anunciam suas “cores do ano”, cercadas por discursos que prometem traduzir o espírito do tempo. Como se a tonalidade escolhida pudesse condensar, sozinha, um estado de mundo. A cor, é atmosfera, memória, sensação. Quando a promessa se reduz à novidade, existe o risco de aprisionar os espaços no calendário da moda. A questão, então, não é apenas escolher a cor certa, mas compreender como estabilizar essa escolha para que um ambiente permaneça vivo sem se tornar datado.



No universo das paletas contemporâneas, a trajetória biográfica das cores conta tanto quanto suas aplicações. O azul profundo de 2020 carregava a sobriedade de um mundo em incerteza; o amarelo iluminado de 2021 pretendia devolver o otimismo; os verdes terrosos dos anos recentes evocaram retorno à natureza e equilíbrio. Cada cor anunciada é também uma narrativa de época. Como lembrou Goethe em sua teoria das cores, “a cor é um sofrimento e uma alegria para os olhos”, um registro sensível daquilo que nos marca, mesmo sem que percebamos. Ao olhar para as paletas do passado, notamos que elas dizem mais sobre a ansiedade de cada tempo do que sobre a permanência estética dos ambientes que ajudaram a compor.




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Se pensamos em termos de linguagem visual, o problema não está na cor em si, mas na maneira como ela é estruturada dentro de uma composição. Paletas muito dependentes da tendência correm o risco de envelhecer na mesma velocidade com que o mercado anuncia a próxima. É por isso que os neutros, brancos quentes, off-whites, beges, cinzas sutis, marrons estáveis, funcionam como uma espécie de alicerce cromático. Eles não anulam as cores de destaque, mas oferecem o solo onde o tom vibrante pode repousar. Quando uma parede terracota se apoia em um fundo de cinza claro, ou quando um rosa saturado encontra equilíbrio no branco neve, o que se constrói é uma arquitetura visual durável. A força do tom do ano se mantém, mas sem aprisionar o espaço à sua data de nascimento.



As comparações entre paletas recentes mostram o quanto a transitoriedade pode ser suavizada. O verde-sálvia de 2022, por exemplo, ganhou estabilidade quando combinado com tons de areia e madeira natural; o digital lavender de 2023 encontrou equilíbrio ao lado de cinzas rosados e brancos cálidos; o peach fuzz de 2024 só se manteve sofisticado quando dialogou com o marrom profundo e o bege mineral. Em todos os casos, o segredo não estava no tom principal, mas na forma como os neutros operaram como mediadores. A cor do ano pode mudar a cada janeiro, mas os neutros são o que permitem que os interiores atravessem décadas sem se fixar em uma data específica.




Casa cor_2025



Em 2025, as paletas eleitas revelam uma inclinação por tons que oscilam entre o sereno e o convincente: um pêssego esmaecido com pitada de terracota, um azul petróleo com leve toque esverdeado, além de um verde musgo moderado. Essas escolhas parecem apontar para um anseio por suavidade e enraizamento, sem abandonar a força cromática. Ao lado dessas indicações globais, a Casa Cor 2025 reforçou a mesma direção com uma paleta que privilegia a organicidade: variações de verde mais densas, nuances de marrom terroso e sutis toques de dourado fosco aplicados em detalhes arquitetônicos. Ao observar essa convergência, nota-se que tanto o discurso internacional quanto o olhar curatorial da mostra brasileira caminham para a mesma busca: tonalidades que dialogam com a natureza, mas com sofisticação controlada. No entanto, sua afirmação não exige que o ambiente se torne refém da novidade. Inseridas em uma composição bem calibrada com neutros como ocre claro, cinza areia ou creme suave, essas cores duram além das tendências. Ao trazê-las para o espaço, cabe ao projeto encontrar o equilíbrio entre o pulso do agora e a serenidade de um suporte que as acolha sem deixá-las presas ao calendário.



No fundo, a discussão sobre paletas de cor do ano é também uma reflexão sobre tempo. Se cada cor anunciada captura algo do momento, o uso inteligente dos neutros transforma essa captura em permanência estética. Mais do que ceder ao calendário, cabe aos projetos compreender que os ambientes são sempre mais lentos que as tendências, e que sua beleza se mede não apenas pela novidade, mas pela capacidade de atravessar os anos com equilíbrio. Como escreveu Le Corbusier, “a arquitetura é o jogo sábio, correto e magnífico dos volumes sob a luz”. À sua maneira, a cor é parte essencial desse jogo, nunca isolada, sempre em diálogo com o que a sustenta.






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