Lenny Hipólito: Universos | Recortes Contemporâneos
- Marisa Melo

- há 5 dias
- 3 min de leitura
Entre arte, filosofia e geografia do olhar, Lenny Hipólito faz da pintura um mapa de consciência. A obra é menos representação do cosmos e mais revelação do humano que o habita.

Nas obras e na trajetória, Lenny Hipólito constrói uma linguagem a partir do pontilhismo, técnica que transforma o gesto repetitivo em método de pensamento. Artista plástica, escritora, palestrante e economista, a mineira de Belo Horizonte desenvolve sua pesquisa pictórica explorando o tempo como matéria e a cor como forma de consciência.
Na exposição “Atlas da Consciência: arte, filosofia e geografia do olhar”, Lenny apresenta o resultado de um percurso artístico amadurecido, no qual o ato de pintar se transforma em exercício de observação e reflexão. Suas telas propõem ao público uma experiência contemplativa, convidando o olhar a seguir o mesmo rigor e a mesma paciência do gesto que lhes deu origem.
Algumas pinturas propõem novas formas de compreender o mundo. Universos, é uma dessas obras que transformam o olhar em exercício de pensamento. Integrada à exposição “Atlas da Consciência: arte, filosofia e geografia do olhar”, a pintura sintetiza o eixo conceitual da mostra e retoma uma questão central da estética: o que significa ver e de que modo o olhar pode se tornar consciência?
O gesto pontilhista é um modo de pensar com a matéria. Cada ponto é uma célula de tempo, um átomo de atenção. A artista constrói o espaço cromático como quem registra pulsações e, no acúmulo do gesto, faz surgir uma paisagem interior. “O olhar”, escreveu Merleau-Ponty, “é o corpo inteiro voltado para o mundo.” Nesse sentido, a tela se converte em corpo expandido: nela, o pensamento não se organiza por conceitos, mas por vibrações de cor.
O azul profundo se abre como campo de respiração, enquanto o vermelho e o dourado emergem como matéria incandescente. A artista parece traçar um mapa do visível, um cosmos dividido entre o celeste e o terrestre, entre o silêncio e a combustão. Essa dualidade busca coexistência. O espaço pictórico é geográfico no sentido filosófico: uma geografia do olhar, onde o mundo é também percurso.
Esse conceito, que permeia o pensamento curatorial de Marisa Melo, parte da ideia de que ver é um ato de deslocamento. A visão, ao contrário do que propôs a tradição cartesiana, não é neutra nem fixa. É um movimento que transforma o que toca. A obra não retrata o cosmos exterior, mas o reflete como cartografia sensível de uma consciência em expansão. Diante da tela, o espectador se torna também viajante.
Em muitos momentos, a pintura dialoga com a filosofia de Gaston Bachelard, para quem o espaço não é uma extensão física, mas uma experiência de intimidade. Há, em Universos, essa dimensão bachelardiana: o cosmo como casa interior. A artista pinta o invisível que habita o visível, a vibração que antecede a forma. O resultado é uma superfície que respira, uma constelação pictórica em metamorfose.
O pontilhismo, técnica que em outros tempos buscava decompor a luz, adquire outro sentido. O ponto é partícula de consciência. Cada um contém o vestígio de uma decisão, uma escolha entre permanecer e desaparecer. A repetição torna-se ética: insistir no detalhe é resistir à velocidade do mundo. No intervalo entre um ponto e outro, algo se acende, talvez o instante em que a arte se torna filosofia.
A obra se estabelece como um espaço onde o pensamento ganha cor para sustentar a existência. Seu cosmos não é distante nem astral, mas humano: o espaço que cabe no olhar, feito de pequenas durações e gestos minúsculos que se acumulam até formar um mundo.
A filosofia aparece como estrutura. O olhar filosófico não se contenta em ver formas; busca compreender o que as sustenta. É esse o movimento que Universos propõe: o deslocamento da aparência para a interioridade. A obra não oferece respostas, exige convivência. O espectador é convidado a permanecer e a perceber que o tempo da pintura é também o tempo do pensamento.
Na exposição Atlas da Consciência, cada tela compõe um mapa, e Universo é talvez o seu centro gravitacional. O conjunto, curado por Marisa Melo, estabelece um diálogo entre arte, filosofia e geografia do olhar: a arte, porque produz linguagem e matéria; a filosofia, porque interroga o sentido; e a geografia, porque define o espaço do ver como território de experiência. São camadas que se entrelaçam até dissolver fronteiras.
Ver é uma forma de pensar, escreveu Cézanne. Em Universos, ver é também uma forma de existir.
Marisa Melo oferece consultoria, curadoria e apoio à montagem de coleções particulares e institucionais. Para adquirir obras, textos críticos ou desenvolver projetos curatoriais, entre em contato com: contato@marisamelo.com


