"O Feio Bonito": As Contradições Viscerais de Julia Dalcastagné
- Marisa Melo

- 21 de dez. de 2023
- 2 min de leitura
Atualizado: 23 de jun.

“A arte deve confortar os perturbados e perturbar os confortáveis.” — César A. Cruz
Essa frase poderia muito bem servir de epígrafe para o trabalho de Julia Dalcastagné. Sua pintura não busca consolar nem agradar. Ela incomoda, provoca, desloca. Julia parte de afetos que normalmente são evitados, rejeição, raiva, frustração, culpa, e os transforma em imagem com coragem estética e intenção clara. Sua arte não é feita para suavizar a experiência. É feita para expor o que pulsa de forma bruta, direta e, muitas vezes, desconfortável.
Nascida em Florianópolis, Julia desenvolveu uma linguagem que desafia qualquer expectativa de delicadeza. Suas figuras são estranhas, por vezes desproporcionais, com olhos marcados e expressões ambíguas. A composição nunca se resolve num ponto de conforto. Pelo contrário, convida o espectador a habitar o atrito. Mistura cores doces com tons sombrios, traços infantis com dureza emocional. Há sempre algo deslocado, e é justamente aí que a obra se afirma.
Julia trabalha com opostos. A doçura que machuca. A feiura que revela beleza. O incômodo que gera identificação. Suas obras não entregam uma narrativa pronta, mas um campo de tensão. As linhas marcadas, quase de ilustração, e os campos de cor vibrantes criam um universo que carrega peso emocional.
Na obra Vulnerable Adult, que integra a exposição Portas: Aberturas e Despedidas, essa estética aparece com força. A figura central encara o espectador com um olhar assimétrico e vulnerável. Não há apelo à empatia. A paleta mistura cores intensas com zonas escuras. Os contornos são duros, a composição é direta, mas a mensagem não é simples. Julia toca em feridas sem dramatizar. Expõe, com precisão, o que geralmente se esconde.
Vulnerable Adult não suaviza. Também não grita. Apenas mostra. A obra atua como espelho: desconfortável, mas honesto. Não idealiza nem redime. Apenas afirma que o que sentimos, mesmo aquilo que não nomeamos, também merece espaço.
No contexto curatorial de Portas, Aberturas e Despedidas, sua obra funciona como chave. Abre passagens para afetos mal resolvidos. Convida o olhar a permanecer no que incomoda. E mostra que arte, quando é verdadeira, não precisa ser agradável, só precisa ser inevitável.


