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Recortes Contemporâneos | O tempo da obra, o gesto do curador

Atualizado: 17 de set.


Marisa Melo - Diretora UP Time Art Gallery
Marisa Melo - Diretora UP Time Art Gallery

Pensar curadoria é pensar um ato que começa antes da teoria e atravessa o espaço, o tempo e a relação direta com quem cria. Não há ofício possível se não houver corpo a corpo com a obra e atenção ao contexto. Curador que se refugia apenas em conceitos ou que opera a partir de manuais ignora que a arte exige diálogo vivo, risco e interação com o presente. A ideia de liberdade total é ilusória em um sistema que ainda repete fórmulas, cria barreiras e mantém estruturas que muitas vezes não acompanham a potência dos artistas. Reconhecer esse cenário é parte da responsabilidade do curador, que precisa mostrar ao artista onde ele está, quem o observa e quais limites ainda resistem.


A história mostra que a prática curatorial sempre oscilou entre acompanhamento atento e tentativa de enquadramento. Harald Szeemann, nos anos 1960, reinventou a função ao entender que a exposição não era vitrine, mas espaço de invenção, onde o curador poderia ser autor de narrativas. Walter Zanini, no Brasil, trouxe esse espírito experimental ao Museu de Arte Contemporânea da USP, abrindo espaço para artistas que ainda não tinham reconhecimento institucional. Esses exemplos biográficos ajudam a perceber que a curadoria, quando se compromete com o tempo, assume papel ativo na criação de significados.


O problema é que a estrutura do sistema da arte nem sempre acompanha o avanço de quem produz. Muitos artistas avançam em pesquisa, linguagens e discursos, mas ainda encontram portas fechadas, modelos ultrapassados e curadores que insistem em repetir formatos exaustos. Isso gera conflito, que pode ser produtivo quando abre brechas, mas também pode se transformar em bloqueio quando não há escuta. O que deveria ser ponte, torna-se muro. A consequência é clara: obras que poderiam provocar reflexão e reorganizar percepções são silenciadas pela falta de abertura.


A linguagem da curadoria não se limita a selecionar obras para paredes. Ela é um discurso que articula materiais, gestos e contextos. A arte contemporânea não nasce isolada, mas do agora, das urgências e ruídos que nos impregnam. Obras que desmontam imagens, subvertem linguagens ou reorganizam materiais não estão ali para agradar. Elas interferem, criticam, provocam mesmo quando falam em voz baixa. Para perceber isso, o curador precisa assumir um olhar de responsabilidade, que escute o que a obra traz e compreenda que sua função é oferecer condições para que esse discurso seja ouvido.


A exposição, nesse sentido, é campo de leitura. Cada escolha constrói narrativa, direciona o olhar e define o que permanece visível ou invisível. Essa dimensão política é inevitável. Como lembra Walter Benjamin, "o tempo histórico não se desenrola em linha reta, mas em rupturas e brechas que obrigam a revisões." Assim também deve ser a curadoria: um exercício de revisão, que entende a obra em sua temporalidade, capta suas demandas e a insere em diálogo com o espaço. O curador que ignora esse aspecto reduz sua prática a repetição de vitrines, transformando a exposição em gesto estético vazio.


A leitura das obras em exposição mostra com clareza essa dimensão. Quando um curador decide colocar lado a lado trabalhos de diferentes linguagens, ele não apenas organiza espaço, mas propõe sentidos. Um artista que usa resíduos industriais para falar de consumo não pode ser neutralizado pela curadoria que o exibe como objeto decorativo. Uma pintura que traz crítica social precisa ser apresentada em condições que ampliem esse debate, não que o esvaziem. O gesto curatorial, nesse caso, é linguagem tão forte quanto a do artista, porque determina como e onde essa obra será vista e o que ela poderá provocar.


No fim, curadoria é sempre posicionamento. Decidir quais obras entram, como dialogam e em que espaço são inseridas é assumir responsabilidade sobre o discurso que se constrói. A neutralidade é impossível e até perigosa. O que se espera do curador é critério, consciência histórica e coragem para sair do lugar confortável. Curar é organizar encontros que provoquem transformação, criar campos de visibilidade que não repitam fórmulas e sustentar a arte em sua potência crítica. A curadoria que interessa é a que entende a obra em seu tempo, dá corpo às suas exigências e constrói pontes que, de fato, ampliam o olhar.



Marisa Melo

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