Cores da Alma: Daniela Xavier
- Marisa Melo

- 22 de jan. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 24 de jun.

É com a mesma clareza de Pablo Picasso, ao dizer que “a arte limpa da alma o pó do cotidiano”, que podemos nos aproximar da obra de Daniela Xavier. Sua produção nasce dessa urgência de respirar fora das rotinas rígidas, de criar um espaço onde o sensível possa ter lugar. Autodidata, nascida em Presidente Olegário, no interior de Minas Gerais, Daniela constrói uma trajetória que une prática artística e espiritualidade, sem esforço de síntese — apenas com coerência vivida.
Hoje vive em Conceição das Alagoas, onde atua como Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. É nesse intervalo entre o mundo formal do direito e a liberdade do gesto pictórico que sua linguagem se desenvolve. Daniela traça, paralelamente, duas formas de expressão: uma pelo rigor institucional, outra pela intuição que guia suas imagens.
Desde a infância, o gosto pelas cores e pela composição já aparecia em pequenos gestos, como pintar panos de prato. Mas foi em 2014, após algumas aulas de pintura a óleo, que identificou ali algo mais profundo. Três encontros foram suficientes para acender uma chama que só se materializaria anos depois.
A retomada definitiva veio em 2020. Daniela passou a produzir com frequência e a divulgar suas obras, criando uma trajetória que se sustenta por consistência, não por estratégia. Suas telas transitam entre o figurativo e o abstrato, sempre com fluidez. A natureza e a espiritualidade são fontes recorrentes, não como temas ilustrados, mas como estruturas internas da imagem.
Os jardins coloridos são recorrentes em sua produção. Há neles vitalidade e leveza. As pinceladas são livres, com ecos impressionistas, e revelam uma artista que organiza a imagem com intuição e segurança. O que poderia ser apenas decorativo ganha densidade pelo modo como cor e luz se distribuem. Há ritmo, há presença, há escolha.
Daniela não se interessa em representar o real com fidelidade. O que lhe importa é o que pulsa por trás da forma. Sua pintura parte do vivido, mas não se encerra nele. Existe um deslocamento poético que transforma a imagem em campo de reorganização sensível, sem pretensão de explicação.
Sua atuação no judiciário e sua prática artística não se opõem. Elas se cruzam. Entre códigos e pigmentos, Daniela constrói sua própria maneira de estar no mundo. Com firmeza, mas sem pressa.
Sua pintura não busca holofotes. Ela segue em silêncio, mas com direção. E talvez seja por isso que seu trabalho encontra espaço: porque nasce da prática constante, de escolhas conscientes e da necessidade de fazer da arte um modo de existir com mais verdade e menos ruído.
Sobre a obra: Flores que Pulsam
Daniela Xavier reafirma sua linguagem pictórica, construída entre a observação intuitiva da natureza e a liberdade do gesto. A pintura não tenta descrever, ela organiza uma atmosfera. O que vemos é um jardim em expansão, conduzido por uma paleta precisa e uma estrutura visual que sustenta leveza e ritmo sem perder firmeza.
O verde, dominante na composição, é base. É ele que ancora a cena e permite que as flores se destaquem com naturalidade. Daniela trabalha a cor com domínio. O tom do verde muda, respira, cria camadas. As pinceladas são soltas, mas direcionadas. O olhar percorre a tela sem tropeçar. Nada sobra, nada falta.
As flores não obedecem à gravidade. Elas surgem com delicadeza e parecem flutuar. Não há rigidez na forma. A tinta flui e deixa espaço para o ar. É nesse intervalo, entre o que se mostra e o que se deixa escapar, que a obra se fortalece. As cores vibram sem exagero. O rosa, o amarelo e o lilás surgem com autonomia, mas em harmonia.
O estilo de Daniela Xavier mistura o figurativo ao abstrato, com pinceladas que lembram o impressionismo, mas sem compromisso com a representação fiel. Ela prefere a sensação ao detalhe, a sugestão ao acabamento. E isso constrói uma linguagem própria, onde o que importa não é o que está na tela, mas o que ela desperta em quem vê.


