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A dor afinada de um beijo sem volta

  • Foto do escritor: Marisa Melo
    Marisa Melo
  • 19 de jul.
  • 2 min de leitura

Atualizado: 20 de jul.

Maria Bethânia - Jessé e Nelson Gonçalves



Eu ainda era adolescente quando ouvi Maria Bethânia na voz de Jessé e Nelson Gonçalves pela primeira vez. Não era só a música que me alcançava, era a forma como eles diziam cada palavra, como se arrancassem aquilo de um lugar sem volta. Havia algo que ultrapassava técnica ou beleza: era entrega. Uma entrega sem filtro, sem cálculo, sem intenção de agradar. Eles cantavam como quem viveu demais. E eu, tão jovem, reconhecia naquela dor um espelho antecipado do que viria.


Nelson Gonçalves tinha a rouquidão exata de quem engoliu o mundo seco. Jessé, por outro lado, era precisão lírica, voz limpa cortando o ar como navalha afiada. Juntos, criavam uma atmosfera densa, onde o amor não era promessa, era sentença. O que cantavam não era sobre romance, era sobre sobrevivência. Sobre a insistência de amar mesmo quando o mundo já nos havia endurecido por dentro.


Há um verso em Maria Bethânia que diz: “Te dei um beijo com esplendor e com dor”. Não é uma frase poética qualquer, é um corte. Um beijo com esplendor e dor não é romântico, é brutal. É o gesto de quem ama com a carne exposta, de quem entrega tudo sabendo que vai doer, mas entrega mesmo assim. É o tipo de beijo que não se repete, porque marca, porque queima, porque exige demais. Só beija com esplendor e dor quem está disposto a morrer um pouco, na boca do outro. E Jessé e Nelson Gonçalves sabiam disso. Suas vozes não tocam a superfície da música, elas a rasgam.


Cantam esse verso como quem revive um abismo, como quem sangra com elegância. É uma entrega que não aceita ser chamada de bonita. É crua. É a beleza que machuca. A dor que não pede desculpa. O esplendor que queima.


A música me atravessava como atravessa até hoje. Não era só nostalgia, era identificação. Como se eles nomeassem algo que eu ainda não sabia dizer. Aquela interpretação me ensinou que o amor verdadeiro não é aquele que só acalma, é também o que desestabiliza. Que há beijos que redimem, mas há os que devastam, e continuam belos mesmo assim.


Ouvir Maria Bethânia naquele tempo era um ritual. Eu fechava os olhos e deixava as vozes me carregarem para dentro de uma história que, embora não fosse minha, já me pertencia. Porque o amor, quando é vivido até o limite, tem o mesmo rosto em qualquer boca. E naquela música, tudo era excesso: de desejo, de dor, de verdade. Era isso que me encantava. A ausência de máscara. A coragem de cantar algo que sangra.


Hoje, quando escuto de novo, ainda sinto o impacto. Não como quem lembra, mas

como quem revive. Porque certas músicas não passam, permanecem em carne viva. E se há um lugar onde o amor ainda sobrevive com dignidade, é nesse tipo de canção: onde cada sílaba é uma cicatriz, e cada pausa, um luto.



Marisa Melo

"Escrevo para não desaparecer. Se algo em mim tocou algo em você, então já não estamos tão sós. " MM

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