"Reflexões Artísticas: A Jornada de Mari Lasprilla"
- Marisa Melo 
- 17 de out. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 26 de set.

Mari Lasprilla nasceu em Porto Velho, no coração de Rondônia, e traz consigo a firmeza de quem conhece o peso e a beleza da travessia. Durante mais de vinte anos construiu sua trajetória na indústria farmacêutica, área em que uniu administração, marketing e políticas públicas. Mas foi na pintura que encontrou a expressão plena de sua voz interior. Hoje, sua obra nasce como um retorno, um reencontro com aquilo que sempre esteve à espera: a possibilidade de transformar a experiência em imagem.
As telas de Mari são afirmações. Cada rosto feminino que emerge da superfície não é é presença que nos interpela. Suas mulheres negras aparecem como deusas do cotidiano, figuras intensas que sustentam o olhar de frente e devolvem ao espectador a força de sua própria pergunta. Não há submissão, não há romantização. Há altivez, história e cor.
Sua linguagem é figurativa, por vezes onírica, marcada por traços estilizados e contornos nítidos. Mas é na cor que sua identidade pulsa com maior intensidade. Tons de pele variados dialogam com azuis celestes, verdes luminosos, laranjas ardentes e amarelos solares. O fundo, muitas vezes em dégradés que lembram o arco-íris, se transforma em atmosfera espiritual, criando a sensação de que cada figura habita um campo energético, uma aura que a envolve e a protege.
Flores, adornos e penteados são extensões de corpo e memória. Cada detalhe carrega sentido, deslocando a pintura do plano da estética para o território da afirmação simbólica. Mari não pinta para reivindicar, para inserir força, identidade e ancestralidade em cada personagem. Inventadas ou não, essas mulheres existem. São muitas, e ao mesmo tempo são uma só.
Na série Mulheres Arco-Íris, Mari cria uma mitologia própria. Sonhadoras, sobreviventes, avatares, portadoras de coroas e guardiãs de caminhos. São mulheres que não repetem a história, mas que se levantam para reescrevê-la.
A pintura de Mari Lasprilla é um manifesto cromático, uma pedagogia do afeto, um gesto de restituição de imagem. Ao pintar o afro feminino, celebra, devolve espaço, dignidade e futuro.


A série Mulheres Arco-Íris, de Mari Lasprilla, nasce de um sopro, inspirado na morada da deusa das águas na mitologia Zulu, no sul do continente africano. Mais que um conjunto de retratos, é um oráculo pictórico onde o feminino se ergue como força ancestral, envolto em cor, memória e devoção.
Utilizando técnica mista de tinta acrílica e aquarela sobre tela, Mari não pinta apenas rostos, ela evoca presenças. As mulheres que surgem em sua pintura são entidades vivas, espelhos de divindades ligadas aos orixás, figuras que atravessam o tempo e se mantêm pulsando nas religiões de matriz africana, tanto no Brasil quanto no berço africano. Cada uma delas carrega um domínio simbólico, uma vibração específica, um chamado.
Com uma paleta vibrante que parece brotar da terra e se lançar ao céu, Mari constrói atmosferas que nos cercam, não apenas com cor, mas com energia. Os fundos em transições suaves e os elementos florais são mais que ornamentos, são atmosferas, são campos espirituais onde essas mulheres habitam. Seus olhos nos alcançam, suas bocas silenciam e dizem, seus adornos contam histórias que a palavra não dá conta.
Cada traço é pensado, mas não calculado. Cada pincelada é fluida, mas não distraída. Mari deposita na tela seu respeito pela tradição e sua ousadia de criar um universo próprio. Suas figuras não são ilustrações do sagrado, elas são o sagrado feito forma.
A série não se propõe como catequese, mas como oferenda. É um convite para olharmos com mais reverência para o feminino afrodescendente, para reconhecermos nas suas linhas a sabedoria, a beleza e a dor que atravessam essas presenças. São retratos, mas também são portais. São pinturas, mas também são cantos.
Ao criar Mulheres Arco-Íris, Mari nos lembra que a arte, quando enraizada em fé, memória e intenção, é capaz de curar, de elevar, de religar. E que toda imagem, quando feita com verdade, se transforma em caminho.
“As mulheres de Mari não estão sendo retratadas, estão nos olhando de volta. Estão aqui, vivas, cercadas de cor e silêncio, de tempo e eternidade.”




