Ela Não Foi Se Despedir
- Marisa Melo

- 12 de jul.
- 2 min de leitura
Atualizado: 18 de jul.

Todos estranharam a ausência dela no velório. Era o tipo de situação em que se espera que certas presenças confirmem o afeto vivido, mesmo que já não haja convívio. Ela era uma dessas presenças. Alguém que esteve próxima por muitos anos, que dividiu a mesa, as festas, as urgências. Mas não apareceu.
Alguns acharam frieza. Outros, orgulho. Houve quem dissesse que era recalque, mágoa mal resolvida. Ela não explicou. Nem em voz alta, nem em bilhete, nem em justificativa formal. A ausência dela era inteira. E tão verdadeira quanto teria sido a presença.
Na manhã do enterro, ela abriu a janela e deixou o sol entrar. Preparou o café com mais calma que de costume, como se soubesse que seria julgada. E seria. Mas escolheu não se defender. Porque se tem algo que aprendeu com a vida, é que existem ausências que dizem mais do que qualquer presença forçada.
Ela não foi se despedir porque, para ela, o fim aconteceu muito antes da morte. E aquilo que não se sustenta em vida, não se recupera com flores, discursos ou lágrimas públicas. Ela viveu o luto em silêncio, quando ainda tentava manter um vínculo que já não existia. Chorou sozinha. Se decepcionou calada. Foi embora de dentro antes de sair de fato.
Não era desamor. Era lucidez. O tipo de lucidez que vem depois de muito insistir, depois de muito tentar. Ela cansou de tentar. E ninguém notou. Como sempre, esperavam dela mais do que ofereciam. Ela percebeu que era sempre a que voltava, a que entendia, a que fazia esforço para manter o afeto de pé.
No fundo, esperavam que ela fosse. Que aparecesse com olhar sereno e palavra bonita, como se tivesse superado tudo. Mas ela superou de outro modo. Escolhendo não fingir. Escolhendo não se exibir como mulher elevada, como alma evoluída. Ela estava em paz. Mas era uma paz que não precisava ser performada.
Não foi se despedir porque o que precisava ser dito, ela já disse, mesmo que ninguém tenha escutado. E o que ficou por dizer, já não importa. Porque o silêncio dela não é vazio. É forma de respeito por si mesma.
Não foi por descaso. Foi por coerência. Porque aprendeu que presença não é sinônimo de amor. E ausência, às vezes, é a forma mais honesta de encerrar uma história.
Ela sabia que falariam. E falaram.
Por isso não foi. E, mesmo sem estar lá, deixou sua marca. Não na cerimônia. Mas na escolha de não se contrariar só para atender à expectativa alheia.
Às vezes, o gesto mais amoroso que se pode fazer por si mesma é não ir.
Marisa Melo
"Escrevo para não desaparecer. Se algo em mim tocou algo em você, então já não estamos tão sós. " MM


