A jornada pela autenticidade: a formação do estilo artístico
- Marisa Melo

- 1 de jun. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 16 de set.

A busca por um estilo autêntico na arte não é uma linha reta, nem tampouco um destino final. É um percurso contínuo, marcado por avanços, rupturas e retomadas, que se insere na vida do artista como registro de sua existência. Desde cedo, somos levados a acreditar que autenticidade é algo que se encontra de uma vez por todas, mas a prática artística revela o contrário: ela é processo, é diálogo permanente entre a experiência individual e o repertório cultural que carregamos. O estilo, mais do que uma marca externa, é a sedimentação de escolhas, de hesitações e de coragens, resultado de uma convivência íntima com a própria sensibilidade e com o mundo.
Ao longo da história, grandes artistas ilustraram esse processo de maneira exemplar. Pablo Picasso talvez seja o caso mais evidente: sua trajetória foi marcada por fases tão distintas que, à primeira vista, poderiam parecer fruto de personalidades diferentes. A fase azul, melancólica e introspectiva, cedeu espaço à fase rosa, mais delicada, até desembocar na revolução cubista. Essa capacidade de se reinventar não nasceu do acaso, mas de uma disposição para experimentar, incorporar influências e recriá-las de modo pessoal. Claude Monet, por sua vez, nos lembra que a busca por estilo também pode ser silenciosa e paciente: diante da mesma paisagem, repetida em diferentes horas do dia, Monet construiu não apenas uma estética impressionista, mas uma reflexão sobre a passagem do tempo e a impermanência da luz. A biografia desses artistas revela que a autenticidade não é um ponto fixo, mas um movimento.
Seja no ateliê ou no espaço expositivo, o estilo é percebido como linguagem. Mais do que técnica, ele é a forma pela qual um artista organiza sua visão de mundo, traduzindo em imagens, cores e gestos aquilo que as palavras nem sempre conseguem dizer. Para chegar a essa linguagem, é necessário atravessar diferentes territórios. Muitos jovens artistas iniciam copiando obras de mestres, e isso não é um erro: é um exercício de aprendizado. O que distingue a cópia da criação é o momento em que a influência se torna matéria de reinvenção. O estilo não nasce da repetição, mas da capacidade de transformar aquilo que já existe em algo singular.
Ao analisarmos as obras que compõem uma exposição coletiva contemporânea, percebemos como esse processo se manifesta de maneiras múltiplas. Alguns artistas dialogam com a cidade, apropriando-se de signos urbanos e transformando-os em abstrações visuais que revelam a pulsação da vida metropolitana. Outros recorrem à memória pessoal, trazendo fragmentos da infância, da religião, da cultura popular. O que une esses trabalhos não é a semelhança de formas, mas a coerência de um percurso em que a experiência pessoal se converte em linguagem coletiva. O espectador reconhece autenticidade quando percebe que a obra não é apenas bem executada, mas necessária.
A análise do estilo passa também pela compreensão do tempo. O artista que se acomoda em fórmulas prontas corre o risco da estagnação, da defasagem, do anacronismo. Aquele que insiste na experimentação, mesmo diante do risco, preserva a vitalidade de sua obra. É nessa disposição para o erro e para a transformação que se encontra a verdadeira coragem artística. O estilo não é apenas aquilo que o artista escolhe mostrar, mas também aquilo que decide abandonar, os caminhos que recusa, as soluções que não aceita como suficientes.
No fundo, a autenticidade tem menos a ver com originalidade absoluta e mais com honestidade. O público identifica como verdadeiro aquilo que nasce de uma presença inteira. Não se trata de técnica impecável nem de virtuosismo, mas de uma coerência que atravessa todas as escolhas do artista: do gesto mais simples à exposição mais elaborada. A autenticidade é percebida quando há clareza de intenção e quando a obra, ao se apresentar, carrega em si a densidade de uma vida que se arrisca.
Por isso, falar de estilo é falar também de permanência. Em um mundo saturado de imagens, em que tudo se consome e se esquece em segundos, a arte que permanece é a que resiste à pressa. É aquela que cria vínculos, que insiste em ser lembrada, que atravessa o olhar do espectador com uma força que não se dissolve. É essa permanência, e não o sucesso imediato, que define a relevância de uma trajetória.
Concluir que encontrar um estilo é chegar a um destino seria equivocar-se. O estilo não é uma chegada, mas uma travessia. Ele se transforma com o tempo, se abre a novas experiências, incorpora mudanças e permanece fiel àquilo que o artista tem de mais essencial: sua necessidade de criar. Cada fase, cada obra, cada escolha acrescenta camadas a essa jornada. O artista que compreende isso não teme a mudança, porque sabe que sua autenticidade não está em um resultado fixo, mas na coerência de seu percurso. O estilo se torna menos uma assinatura visível e mais um registro daquilo que permanece, daquilo que resiste, daquilo que, ao se reinventar, nunca deixa de ser verdadeiro.
Marisa Melo


