Animais e Humanos: a alma translúcida do cisne - Patricia Ribeiro
- Marisa Melo
- 30 de nov. de 2023
- 2 min de leitura
Atualizado: há 4 dias

Na série Animais e Humanos, Patrícia Ribeiro não se limita a sobrepor espécies. Ela costura territórios, dilui as margens e propõe algo mais íntimo: o reconhecimento mútuo. Em Cisne, essa fusão atinge um estado de suspensão, onde a imagem não se fixa, mas paira, como quem respira entre mundos.
A figura que emerge da tela não se define com clareza imediata. Há nela uma suavidade que embriaga o olhar, uma vibração que parece estar em movimento contínuo, ainda que nada se desloque de fato. O rosto não é só humano, nem apenas animal. É um estado intermediário, um corpo em transição, um gesto que lembra tanto o voo quanto a meditação.
A escolha pela mídia mista digital permite à artista explorar uma materialidade difusa, quase etérea. O fundo verde profundo cria uma atmosfera onírica, enquanto os traços amarelos e púrpuras formam uma nuvem orgânica que remete ao movimento de asas ou ao desabrochar de uma flor. Há uma sensação constante de algo que se forma e desfaz ao mesmo tempo.
Ao contrário de muitas abordagens que tentam humanizar os animais por meio da caricatura ou da domesticação visual, Patrícia propõe o contrário. Ela animaliza a alma humana. Faz com que o cisne não seja apenas uma metáfora de beleza, mas um espelho simbólico da nossa própria fluidez identitária. O que vemos é menos um retrato do outro e mais um retrato de nós em estado de metamorfose.
A proximidade do olhar revela um balé sutil entre luz e sombra. Afastando-se, a imagem se transforma, ganha impulso, parece expandir. Essa oscilação entre foco e vertigem é parte essencial da experiência estética da obra. Ela nos obriga a ajustar o olhar, a sair da leitura imediata, a mergulhar. Não se trata apenas de observar, mas de entrar na imagem como quem aceita ser levado.
A arte é um convite. Não a compreender, mas a sentir. É uma obra que nos devolve ao nosso estado mais intuitivo, onde não há separação entre o que somos e aquilo que tocamos com o olhar. Patrícia Ribeiro, ao unir humano e animal em uma única silhueta evanescente, nos relembra que toda forma é transitória. E que, talvez, a beleza maior esteja justamente aí, naquilo que escapa enquanto contemplamos.