Animais e Humanos: a alma translúcida do cisne - Patricia Ribeiro
- Marisa Melo

- 30 de nov. de 2023
- 2 min de leitura
Atualizado: 24 de jun.

Em um tempo em que os discursos sobre identidade se tornam cada vez mais rígidos, a arte de Patrícia Ribeiro propõe o oposto: uma aproximação livre, instintiva, quase selvagem. Na série "Animais e Humanos", a artista rompe com classificações e dissoluções didáticas. Em vez de afirmar fronteiras, ela tensiona o que existe entre elas. Em vez de humanizar o animal, devolve à figura humana sua natureza instintiva e fluida.
Na obra "Cisne", essa proposta alcança uma síntese potente. Não há uma figura definida. O que se vê é um corpo em transição, um rosto que não se explica, um estado de suspensão. A imagem não se fixa, ela paira. Existe na vibração do que ainda está se formando, como se respirasse entre um gesto e outro. Não se trata de um híbrido forçado, mas de um organismo visual que pulsa em outro ritmo.
Patrícia usa a mídia mista digital para alcançar essa materialidade imprecisa, onde as formas parecem emergir do fundo sem pressa. O verde denso estabelece um campo de imersão. Sobre ele, traços amarelos e púrpuras se espalham como fumaça, como asas em movimento ou pétalas em desdobramento. A imagem não repousa. Ela se propõe como uma transição constante.
Em vez de domesticar a figura animal com expressões humanas ou estéticas infantis, a artista escolhe outro caminho. Não é o cisne que se humaniza. É o humano que reencontra sua animalidade. O resultado não é uma metáfora didática, mas uma sugestão sensível de que identidade é processo, não definição.
Ao se aproximar da imagem, o espectador percebe o jogo entre nitidez e borramento, entre foco e vertigem. De longe, tudo se transforma. A obra exige presença. O olhar precisa ajustar-se, adaptar-se, insistir. A experiência é ativa. A obra não quer ser entendida, quer ser atravessada.
Patrícia Ribeiro constrói imagens que provocam um estado de atenção tátil. Sua arte nos tira do pensamento automático e nos empurra para um campo mais sensível, onde o contato se dá por aproximação e não por explicação. "Cisne" nos relembra que forma é intervalo, que corpo é processo, e que há beleza no que se desfaz enquanto tentamos compreender.


