Rudy Rahal: A forma não basta, quando a artista escolhe confrontar
- Marisa Melo

- 9 de ago.
- 2 min de leitura
Atualizado: 17 de set.

Em uma entrevista de 1982, Louise Bourgeois afirmou: “A arte é uma garantia de sanidade”. Não se tratava de uma declaração abstrata, mas de uma convicção nascida da prática, do enfrentamento das formas e dos dias. O trabalho de Rudy Rahal parte desse mesmo impulso: fazer arte como gesto de lucidez, como esforço de organizar o mundo pelo traço e pela cor, mesmo quando o mundo insiste em escapar de qualquer ordem.
Nascida em São Paulo, Rudy é artista visual e advogada. Por anos atuou no universo corporativo, até decidir, em 2020, dedicar-se integralmente à pintura. A mudança de trajetória não foi ruptura, mas desdobramento de uma atenção antiga à linguagem das imagens, alimentada pela formação em Artes Plásticas na Escola Panamericana, pelo ateliê no MAM-SP sob orientação de Sergio Niculitchef, e por aulas com Blagojco Dimitrov. Também passou por estudos de história da arte com Felipe Martinez, o que estrutura sua pesquisa com referências bem articuladas.
Sua investigação atual concentra-se na figura feminina. Mas não se trata de uma abordagem identitária ou ilustrativa. Rudy, parte de rostos, olhares, expressões que são deslocadas pela materialidade da tinta e pelo corte da composição. Há uma liberdade nos retratos, mas ela não surge do acaso: vem da escolha por operar sobre a figura, deformando-a, fragmentando-a, sobrepondo planos. Essa estratégia dialoga com artistas como Jenny Saville, com quem compartilha a atenção ao corpo como campo de afirmação.

Há uma contradição interessante na sua pintura: ela é frontal, direta, mas ao mesmo tempo construída por camadas. Em obras como Is This Me ou My Other Half, as figuras olham o espectador, mas o fazem por dentro de uma composição que as recorta, as duplica, as reorganiza. A expressividade não está apenas no rosto, mas na textura da superfície, no gesto da pincelada, no uso de colagens ou sobreposições. É uma pintura que confronta, mas também oferece nuances, e talvez seja esse o seu traço mais singular.
A obra de Rudy é feita de contraste. O preto que moldura os olhos, o vermelho que destaca os lábios, o fundo fragmentado que recusa a neutralidade. Tudo é escolha. E cada escolha organiza um sentido. Ao colocar essas imagens em circulação, ela também propõe uma forma de olhar: que não seja complacente, nem seduzido por narrativas prontas. Suas figuras não pedem leitura.
Rudy cria imagens com densidade visual e posição crítica. O seu trabalho não depende de temas, mas de uma linguagem que vai se afirmando. Não há concessões estéticas nem acomodações formais. O que existe é uma artista comprometida com a construção de imagens que provoquem, desmontem e resistam. Em tempos de saturação imagética, esse é um gesto que ainda tem fôlego.
Marisa Melo





