A Arte Intuitiva de Sandra Lages
- Marisa Melo

- 7 de out. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 17 de mai.

Nascida em Maceió, Alagoas, Sandra Lages é uma artista autodidata cuja trajetória é marcada pela delicadeza do olhar e pela consistência de uma prática que resiste ao tempo. Ainda na juventude, sob influência de seu pai e de sua irmã, começou a experimentar o universo das artes visuais, construindo aos poucos um repertório técnico e sensível. Mesmo formada em Administração de Empresas pela UFAL e com uma especialização em psicanálise após seus estudos em Psicologia no Rio de Janeiro, foi na pintura que encontrou seu espaço mais livre e autêntico.
Sua obra parte de um princípio simples: observar a vida com atenção. E talvez esteja aí sua maior força. Sandra não tenta reinventar a roda, ela devolve ao espectador a beleza do que já existe, mas que quase sempre passa despercebido. Um barco encostado na areia, um casal que caminha descalço na praia, uma casa branca sob um ipê em flor, uma mulher sentada à janela. Esses são os temas que lhe interessam. E, com eles, ela constrói uma pintura que fala de pertencimento, de memória, de presença.
O que poderia soar como um gesto ingênuo se revela, em suas mãos, uma linguagem madura e coerente. Sua pintura não é narrativa nem realista, mas também não flerta com a abstração pura. É um meio-termo muito próprio, onde a figura se insinua, a paisagem se dissolve em cor, e o movimento está mais nas pinceladas do que nas ações representadas. Não há rigidez. O que há é fluidez, gesto e intuição.
Sandra Lages parece pintar com aquilo que está ao alcance do corpo e da lembrança. Sua paleta é viva, mas não excessiva. Os tons vibrantes , rosas, verdes, azuis, amarelos, são equilibrados por fundos mais neutros e transições suaves, que dão profundidade sem recorrer a truques acadêmicos. As pinceladas são espontâneas, curtas, e criam texturas que dão dinamismo às cenas. O rosto das figuras, quase sempre sem feições nítidas, é uma escolha significativa. Não se trata de anonimato, mas de universalidade. A identidade dessas pessoas está na postura, no cenário, no momento.
Em suas casas rurais, há um afeto pelas construções simples, pelas cores dos telhados, pelas janelas que parecem abertas para a lembrança. Nas paisagens urbanas ou litorâneas, o mar e o céu se fundem em movimentos largos, criando atmosferas que remetem a estados de espírito. A artista não pinta apenas lugares, pinta estados internos, como quem percorre a si mesma pela imagem.
A obra de Sandra Lages carrega essa qualidade rara de tocar suavemente o tempo. Suas pinturas não disputam espaço, mas permanecem. São registros íntimos de uma vivência que se enraíza na simplicidade. E é essa simplicidade que torna seu trabalho tão sofisticado.
Sua prática, construída com autonomia, é também um gesto de resistência. Num mundo que valoriza a pressa e a novidade, Sandra escolhe a repetição, o gesto contínuo, a beleza do ordinário. E com isso, nos ensina que a arte também pode ser isso: permanência, contemplação e afeto.
Ao longo das últimas décadas, Sandra Lages se consolidou como uma artista que não precisa de grandes gestos para ser notada. Sua pintura é feita de pequenas insistências, de escolhas coerentes e de uma linguagem própria que continua a se desenvolver. Para ela, arte é um modo de olhar, um modo de estar no mundo. E quem se permite olhar junto, raramente sai ileso.





