“Silêncio Sagrado”– o rosto que carrega o tempo
- Marisa Melo

- 17 de jun.
- 2 min de leitura
Atualizado: 14 de jul.

Algumas imagens não pertencem ao regime da explicação. Sua presença não se resolve no instante do olhar. Permanecem em suspensão, mesmo depois de vistas. É nesse intervalo que Silêncio Sagrado, obra da série Nativos (2025) de Mônica Ruggiero, atua. A artista constrói uma imagem que se abre como espaço de percepção.
A figura ao centro, indígena do Alto Xingu, mantém os olhos cerrados. O rosto não comunica intenção. Sustenta uma interioridade que não se oferece. Nenhum traço é moldado para causar impacto. Há um recolhimento que tensiona a própria ideia de presença. A superfície da tela, abriga um tipo de consciência que não se separa do tempo. Uma imagem que se constrói a partir da escuta.
O cocar expande a figura. Cada cor pulsa com densidade própria, como se trouxesse o movimento de uma paisagem que respira. O Hangapu, brinco cerimonial do povo Kalapalo, aparece sem ênfase. Não está ali para marcar origem, mas para lembrar que há ritmos que não cessaram. Há signos que não desapareceram porque continuam sendo vividos.
Nos planos secundários da composição, pequenos fragmentos de vida se integram à cena principal sem distinção hierárquica. Peixes, canoas, rostos infantis, linhas breves que tocam a memória e a experiência coletiva de uma cultura em movimento. Não há idealização. As formas não seguem escala ou simetria. O que orienta a disposição dos elementos é um tipo de ritmo interior, orgânico, que não depende da lógica do centro.
A artista sobrepõe óleo sobre tela e giz pastel seco. Não para produzir contraste visual, mas para explorar o atrito entre opacidade e leveza. O óleo fixa. O pastel, com sua matéria porosa, parece afirmar o risco de desaparecimento. Essa escolha revela um pensamento visual que não se prende à estabilidade. Cada material carrega uma densidade própria, que opera no campo da memória.
A paleta cromática reconstrói um mundo sem alarde. Tons queimados, terrosos, opacos. Pigmentos que remetem à matéria original: madeira, pele, folha, barro.
Mônica Ruggiero não se posiciona como mediadora. Sua pintura parte da convivência, da observação que não pretende traduzir. Como escreveu Georges Didi-Huberman, “as imagens não cessam de retornar de onde pensávamos tê-las perdido”. É nessa operação de retorno que seu trabalho se ancora. Não há discurso explícito, nem crítica direta. A potência está na forma como o visível é composto para sustentar o que ainda não foi nomeado.
A tela não fixa um acontecimento. Evita conclusões. A obra não se fecha em torno de si mesma. Funciona como abertura, como lugar que solicita presença. É esse tipo de pintura que não termina no instante em que é vista. Ela insiste. Persiste. Permanece como o que ainda falta compreender.


