Poesia: Júlia, onde o cerrado pinta por dentro
- Marisa Melo
- há 5 dias
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Atualizado: há 5 dias

Ela tem 16,
mas o pincel dela carrega um tempo antigo,
feito saudade que aprendeu a pintar.
Sua obra não enfeita, ela guarda,
registra o cheiro do quintal,
a flor que só desabrocha em silêncio
Essa poesia nasceu de uma pintura,
e essa pintura nasceu de um sopro vindo de dentro,
como quem respira a memória
antes mesmo de entendê-la.
—
Flor de Ouro
nasceu do silêncio das árvores.
A flor do pequizeiro se abriu em tela
como quem pede reverência,
como quem guarda no corpo
o segredo do tempo.
Júlia a viu antes de todos
e então a imortalizou,
com tinta, com ternura,
com sangue.
—
Essa flor não é ornamento.
É altar,
é mulher em desabrocho.
São as ruas de Palmas
florindo de novo
no peito de quem já entendeu
que beleza também pode ser permanência.
Cada pincelada é uma reza,
cada cor,
um pedaço de infância que não morreu.
—
E então vem o fruto.
Ouro do Cerrado
é ventre aberto,
é a terra oferecendo
o que tem de mais íntimo.
Pequi partido, amarelo profundo,
quase sol,
quase ferida,
quase cura.
Júlia pinta como quem colhe,
com as próprias mãos,
o milagre da fartura.
—
Seus olhos são a paleta da terra.
Ela vê o que os outros passam sem notar,
a beleza que mora na casca bruta,
o brilho que se esconde onde ninguém procura,
o cheiro bom que só vem depois da chuva.
—
O cerrado não é pano de fundo.
É personagem,
é grito,
é origem.
E Júlia não imita a paisagem,
ela escuta a voz da raiz
e traduz com o corpo.
Há barro em sua pintura,
há poeira,
há sal no suor da cor.
—
Júlia vê com os olhos do chão.
Ela enxerga o que o mundo esqueceu na pressa:
o duro que protege o doce,
o espinho que ensina o tato,
o perfume que se esconde no depois.
Seus quadros não são para a parede.
São para a memória,
para aquele lugar dentro da gente
onde mora o que ainda não foi embora.
—
O cerrado, ali, não está por trás.
Está por dentro.
Não é cenário.
É ferida que virou palavra,
é raiz que aprendeu a escrever poema.
E Júlia, com o corpo inteiro atravessado de tempo,
Traduz.
E quando o mundo se cala por não saber o que dizer,
ela pinta como quem afaga,
como quem devolve ao silêncio um gesto de amor.


Visite a mostra e conheça as obras de Júlia!
Mostra coletiva “De Onde Eu Vim: Reconstruindo Memórias, Criando Caminhos”
Realização: UP Time Art Gallery
Curadoria: Marisa Melo
Local: Shopping West Plaza, Piso I – São Paulo
Período: Até 25 de julho de 2025