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Por que a arte figurativa nunca saiu de cena


Portrait_de_l'artiste,_par_Paul_Cézanne,_Phillips_Collection
Portrait_de_l'artiste,_par_Paul_Cézanne,_Phillips_Collection

A arte figurativa atravessa a história com consistência. Mesmo diante das rupturas promovidas pelas vanguardas e da ênfase conceitual nas produções contemporâneas, ela segue operando como uma base sólida para a criação visual. Há uma razão para isso: a figura é, ao mesmo tempo, forma e linguagem. Seu poder está na familiaridade. Quando o público reconhece um corpo, um gesto, um objeto, cria-se um campo imediato de relação. Essa acessibilidade visual, no entanto, não significa limitação. Ao contrário, a arte figurativa sempre encontrou formas de se reinventar, absorvendo novos contextos, técnicas e discursos sem perder sua força. Como afirma o artista britânico David Hockney, “as pessoas dizem que a pintura figurativa morreu, mas ela nunca saiu de cena. Ela apenas muda de roupa”.


No Brasil, a presença da figura na arte moderna e contemporânea é marcada por densidade cultural. A tradição figurativa, nunca foi apenas estética, mas política. Através de corpos racializados, paisagens brasileiras e cenas urbanas, artistas elaboraram imagens que questionam identidades, tensionam colonialismos e propõem outras formas de habitar o tempo. É nesse campo que se destacam nomes como Candido Portinari, Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral, cujas obras estruturam a visualidade moderna brasileira sem abrir mão do vínculo com a figura como ponto de ancoragem. Mais do que retratar, esses artistas reconfiguram a imagem para dizer algo sobre o país e suas contradições.


Portinari, por exemplo, ao pintar Mestiço (1934), não apenas delineia uma figura masculina de traços firmes, mas constrói uma síntese visual do povo brasileiro: mestiço, em pé, sólido, habitando um fundo monocromático que intensifica sua presença. Di Cavalcanti, em As Mulatas (1962), transforma o corpo feminino em território, ao mesmo tempo sensual e político, com traços curvos e uma paleta que explora a vitalidade tropical. Já Tarsila, com O Mamoeiro (1925), desloca a figura do humano para o vegetal e afirma uma visualidade afetiva, onde a natureza brasileira é estilizada com clareza formal e colorido controlado. Cada um desses artistas compreende a figura como meio de linguagem, e não como fim em si.


A linguagem da arte figurativa pode se organizar em dois eixos principais: o realismo e a estilização. O realismo se ancora na observação meticulosa da realidade. Busca proporções corretas, volumes bem resolvidos, luz e sombra aplicadas com precisão. É uma escolha técnica e, muitas vezes, ideológica. Já a estilização trabalha com síntese. O artista se afasta da descrição direta e busca construir uma imagem mais subjetiva, guiada por ritmo visual, deformações intencionais e esquemas próprios. Ambas as estratégias têm validade e impacto, e o que define a potência do trabalho figurativo é a coerência entre forma e discurso. Quando isso acontece, a figura não apenas representa, mas comunica.


No campo expositivo atual, a arte figurativa ressurge com força. Após um longo período dominado por produções conceituais, muitas vezes abstratas ou processuais, observa-se uma retomada do interesse pela representação direta do corpo e do mundo. Essa retomada não é nostálgica, é crítica. Muitos artistas contemporâneos, ao utilizar a figura, estão também respondendo aos seus tempos. Incorporam questões de raça, gênero, classe, tecnologia e meio ambiente a partir de imagens que combinam referências históricas e linguagem atual. A figura deixa de ser um objeto passivo para se tornar um vetor de posicionamento.


A arte figurativa segue sendo um território fértil porque oferece ao artista um campo de possibilidades visuais. Não se trata de voltar ao passado ou ignorar avanços formais. Trata-se de reconhecer que a figura, em sua simplicidade aparente, ainda é capaz de produzir tensões, afetos e pensamentos. Quando bem construída, ela tem a força de uma frase direta e o impacto de um gesto concreto. No contexto contemporâneo, em que o excesso de imagem tende a gerar ruído, a figura clara e intencional pode ser justamente o que ancora o olhar. E é isso que faz da arte figurativa uma linguagem em contínua reinvenção.





"Mestiço" de Portinari 1934 - Óleo sobre tela/Acervo Pinacopteca
"Mestiço" de Portinari 1934 - Óleo sobre tela/Acervo Pinacopteca





"As Mulatas" DiCavalcanti - 1962
"As Mulatas" DiCavalcanti - 1962




"O Mamoeiro", de 1925 (acervo do IEB, foto: reprodução  (Divulgação/CASACOR)
"O Mamoeiro", de 1925 (acervo do IEB, foto: reprodução (Divulgação/CASACOR)





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