Prima Veras, de Rosele Zucolo — As flores que nascem do silêncio sertanejo
- Marisa Melo
- 16 de out. de 2023
- 2 min de leitura
Atualizado: 17 de mai.

Rosele Zucolo é uma artista que escuta a paisagem antes de pintá-la. Nascida da vivência nordestina e profundamente conectada às mulheres do sertão, sua obra se faz entre o barro e a flor, entre o silêncio da lida e o esplendor da resistência. Sua pintura tem cheiro de terra molhada, cor de fruta madura, toque de costura feita à mão.
Com uma linguagem que mistura o figurativo popular ao simbólico intuitivo, ela constrói imagens onde o feminino é centro e fundamento. Suas mulheres não são alegorias, são vidas que atravessam o tempo com firmeza, beleza e trabalho. O ofício é sempre tema, mas nunca pesa. É tecido com cor, com detalhe, com dignidade.
Há algo em Prima Veras que não se esgota no olhar, que permanece depois da cor, depois do traço. É uma presença silenciosa, que nos observa de volta. Nesta obra em acrílica sobre tela, com 90 x 80 cm, criada em 2023, Rosele Zucolo nos oferece não apenas um retrato, mas uma estação inteira, um tempo interior costurado pela força e delicadeza das mulheres do sertão.
Três figuras femininas, alinhadas como irmãs de uma mesma memória, surgem entre flores exuberantes, cercadas por folhas que caem do céu como preces verdes. Seus rostos são firmes, seus olhos atentos, sua expressão carrega uma serenidade que não se confunde com passividade. São mulheres que sabem da terra, que conhecem o trabalho, que sustentam o tempo com as próprias mãos.
Rosele tem a alma bordada no nordeste. Sua pintura carrega o sotaque do barro, do mato e da espera. Em Prima Veras, essa linguagem se manifesta com clareza. As cores são intensas, mas não estridentes. Há um equilíbrio entre a vibração das flores e a densidade do verde profundo que envolve as personagens. As faixas que cobrem suas cabeças não escondem, anunciam. São coroas discretas de quem vive o cotidiano como rito.
Cada mulher parece representar uma força essencial do feminino sertanejo, a que cuida, a que planta, a que espera. Elas não se apresentam com drama, mas com presença. E as flores que as rodeiam não são ornamentos, são extensão de seus corpos. A artista, ao colocá-las em primeiro plano, reafirma a fertilidade não apenas da terra, mas da mulher como eixo da continuidade, mesmo em territórios marcados pela escassez.
Em Prima Veras, Rosele Zucolo celebra o ofício feminino com silêncio e beleza. Cria uma narrativa onde a resistência se expressa com doçura, onde a pintura se torna abrigo para as histórias que a história oficial não conta.
Esta obra é uma estação inteira de renascimento. Um tempo onde as mulheres do sertão não apenas florescem, mas sustentam o próprio chão onde brotam.