O silêncio que vê: Andrea Mariano e o retrato da guerra
- Marisa Melo

- 30 de nov. de 2023
- 2 min de leitura
Atualizado: 16 de mai.

Há olhos que atravessam. Não por serem belos, mas por carregarem dentro de si uma história não contada. Olhar Azul, obra de Andrea Mariano pertence à série Olhares, é exatamente isso: um espelho íntimo, silencioso e contundente da dor que a guerra não consegue esconder.
A tela, de grande escala, nos convida a uma aproximação quase íntima. A figura não mostra o rosto inteiro, mas apenas o essencial: os olhos. Emoldurados por um véu vermelho intenso, vibrante como sangue recém-derramado, esses olhos azuis não buscam piedade, mas presença. Eles não choram, mas acusam. Não suplicam, apenas resistem.
A obra é um retrato simbólico das mulheres impactadas pela guerra na Ucrânia. Mas não se limita ao local. Ela fala de todas as mulheres que, em territórios dilacerados, aprendem a permanecer. O azul dos olhos é glacial, como o clima que envolve a região, mas também profundamente humano, como quem já viu demais e ainda assim se recusa a fechar os olhos.
A escolha da paleta não é artifício estético. Andrea trabalha a cor como linguagem política. O vermelho do tecido envolve, silencia, protege, mas também pode sufocar. Ele representa o grito contido, o sangue oculto, a urgência que não encontra escape. Já o azul, que se concentra nos olhos e domina o olhar do espectador, é uma presença calma, quase imóvel, e por isso ainda mais perturbadora.
A técnica é precisa, com uma pincelada limpa que revela domínio da forma e da emoção. A artista domina a construção do olhar como poucos. Não há exagero, não há afetação. Apenas o necessário para que a imagem diga tudo sem precisar de uma única palavra. O contraste entre a pele clara, os olhos vivos e o tecido flamejante cria uma tensão silenciosa, que vai além da beleza formal.
Andrea Mariano não pinta a guerra. Ela pinta o que ela deixa. A permanência do olhar. A memória que insiste. A mulher que observa o mundo de dentro de sua dor e ainda assim enxerga.
Na série Olhares, Andrea nos convida a não desviar o olhar, mesmo quando tudo em nós quer escapar. Porque há momentos em que ver é um ato de resistência. E Olhar Azul é isso: um olhar que não cede, que não se rende, que permanece.


