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Luah Jassi e o corpo em movimento



Recortes contemporâneos que escolhem a vida, corpos em movimento que tratam alegria como ato. Há circo, magia e metáfora, uma dramaturgia breve que se adere ao gesto e dá ritmo às pinturas.




Lua Jassi
Lua Jassi

Quando penso em Lua Jassi, penso no que a arte decide revelar quando a vida pulsa mais forte do que a forma. Suas figuras aparecem em movimento, como se o quadro flagrasse um gesto que já começou e ainda não terminou, um instante de corpo aceso por cor e desejo. Não interessa saber como a tinta chegou ali, interessa o que as imagens afirmam sobre alegria, sobre coragem, sobre a decisão de existir sem pedir licença.


Nascida em Florianópolis e movendo-se entre a cidade natal e Criciúma, a artista pensa a vida como circulação, um vai e vem que transforma lugar em estado de espírito. Ao assumir a pintura na vida adulta, fez dessa escolha um método de pensar o tempo, recolhe dele o que importa e devolve em cor. O mar e a família surgem como medida de mundo, orientam o olhar e organizam afetos. Na tela, essas referências deixam de ser cenário e tornam-se campo de ação.


O caminho criativo, tal como ela própria descreve, nasce do espontâneo, do gesto que não pede alinhamento e aceita o imprevisto como método íntimo. Essa disposição transforma supostos erros em estrutura, incorpora os desvios ao resultado e desarma a expectativa de acabamento impecável. O que vemos é, uma ética do risco que se apresenta com franqueza, como se cada pintura dissesse que a vida é feita de camadas, que a beleza pode nascer do que resiste e insiste.


Nos trabalhos figurativos, especialmente nos recortes de dançarinas, o corpo feminino aparece em posição de força e invenção. Há saias que se expandem como se o palco fosse curto, há pernas que cruzam o espaço e desafiam a moldura, há rostos por vezes ausentes ou sugeridos, como se a identidade não precisasse ser fixada para se fazer presente. O erotismo não se impõe, ele reluz no contorno do gesto, na curva do braço que decide o próprio ritmo, no copo que aparece como pista de uma cena noturna, no sapato que marca a cadência. O que importam são as atitudes, o jogo entre presença e anonimato, a liberdade sem necessidade de prova.








Essa liberdade nasce de uma intenção clara, a alegria como projeto. A artista deseja que o observador descubra, na curiosidade, a pista da própria sensibilidade, que cada pessoa reconheça nas cores uma energia capaz de reacender perguntas. A palavra alegria, não é ingenuidade, é posição estética e ética, é um modo de devolver vitalidade ao olhar quando a dureza do cotidiano esgota a imaginação. É por isso que as telas vibram, porque foram pensadas para reativar o que se cansou dentro de nós.


Há um traço biográfico que ilumina essa escolha, a passagem de Jassirene, mulher das leis, para Lua Jassi, artista que encontra na expressão um espaço mais amplo de vida. Essa mudança explica a densidade emocional que permeia a produção e ajuda a entender por que dor e alegria aparecem como polos de uma mesma corrente. Em vez de neutralizar conflitos, as obras os reorganizam, devolvendo um lugar ativo, convidando a olhar sem medo a parte intensa da própria experiência.


No conjunto, reconhecemos um repertório de cenas que lembram retratos sem identidade fixa, recortes contemporâneos de posturas e desejos. A figura dança em diagonal, escapa das regras de centralidade, recusa qualquer posição discreta. O fundo, longe de ser cenário, atua como campo afetivo, cor que participa da decisão de existir e que amplia a presença do corpo. Às vezes a luz é quase elétrica, outras vezes é quente e terrosa, sempre convocando o olhar a percorrer o quadro como quem escuta música, sem pressa.


A pintura aposta numa pedagogia do olhar que dispensa explicação técnica, confia na força da experiência e fala por si. A sofisticação nasce de uma simplicidade ativa, o jogo entre figura e fundo mantém o campo pictórico em curso e abre margem a releituras. Há circo, não como ornamento, mas como modo de pensar o mundo, a magia e a mágoa desse universo permeiam as figuras e estabelecem um tom entre festa e melancolia. A paleta lembra o vinho de mesa, rubros densos, bordô, carmim e violeta aquecem a cena e sustentam retornos sucessivos.






Seus trabalhos funcionam como um antídoto contra a apatia visual. Em tempos de imagens rápidas e descartáveis, ela escolhe o gesto que permanece no corpo de quem vê, escolhe a vitalidade como método de pensar o presente. Não é otimismo fácil, é uma proposta de recomposição, uma forma de dizer que o cotidiano pode voltar a ter cor quando relemos as cenas com atenção, quando reconhecemos nas posturas femininas uma política do corpo que não pede autorização. A potência está no recorte, no modo como a artista concentra a energia do instante e a oferece como um corpo disponível para a imaginação. A dor aparece, mas não define, a alegria aparece, e decide. O feminino é força concreta, é modo de ocupar o espaço e ditar regras mais generosas para a sensibilidade. Entre danças, corpos em posição de comando e cores que avançam, Lua Jassi afirma uma ideia simples e rara, a arte pode reorganizar nossos afetos e devolver medida às coisas. É esse o convite, olhar de novo, olhar melhor, permitir que a imagem trabalhe por dentro e encontre o gesto que faltava para nomear o que sentimos.


Se a arte torna visível, como propôs Klee, as pinturas de Jassi fazem ver algo que nem sempre sustentamos no cotidiano, o direito à alegria. Por isso sua obra é necessária na cena atual, não por truque ou efeito, mas pela clareza com que afirma a escolha da vida e pela insistência em mostrar que cada cor, cada postura e cada recorte podem abrir espaço para um mundo mais vivo.

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