Gerações: Elis Regina Dias Retrata os Laços que o Tempo Não Desfaz
- Marisa Melo
- há 1 dia
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“Gerações” é um canto íntimo tecido com tinta, papel e lembranças. Elis Regina Dias, em sua poética visual, nos conduz por entre os ramos de uma árvore genealógica viva, cujas raízes brotam da afetividade e cujos galhos alcançam, com doçura, o tempo presente. A obra, realizada em técnica mista, revela-se como um relicário pictórico onde a memória e o afeto dançam em harmonia.
O estilo da pintura se inclina ao expressionismo lírico com traços de arte popular. Há uma força contida nas linhas negras que contornam os corpos, não como grades, mas como molduras que destacam cada figura em sua unicidade. A composição é orgânica e acolhedora: os personagens se entrelaçam sem perder sua autonomia, como se o gesto de estar juntos bastasse para delinear o conceito de família. Não há perspectiva central ou hierarquia de importância. Cada rosto tem seu espaço, sua presença inegociável.
A paleta de cores é vibrante e sensível. Os verdes de fundo, adornados com colagens florais e passarinhos, evocam uma natureza afetiva, o jardim onde as gerações se encontram, mesmo que em tempos diferentes. Os tons de pele variados rompem com a ideia de uma família homogênea e apontam para a multiplicidade de afetos que pode existir nos laços construídos com amor, e não apenas com sangue. O amarelo-dourado, que contorna algumas cabeças como auréolas discretas, sugere um gesto sagrado: reconhecer a dignidade de cada geração, de cada fase da vida, de cada papel vivido.
Os elementos colados à pintura, como cartas antigas, flores secas e pequenos fragmentos de imagens, remetem à memória que insiste em permanecer. É como se a artista tivesse costurado cartas nunca lidas ou relicários guardados em gavetas, agora expostos sobre a pele da tela. A figura infantil, acolhida nos braços de uma mulher negra, de olhos cerrados e expressão serena, carrega um dos momentos mais tocantes da obra: o gesto silencioso da confiança, da proteção, do afeto que dispensa palavras.
“Gerações” é um elogio visual à permanência dos vínculos, mesmo diante da passagem do tempo. A família, nesse retrato, não é uma instituição fria ou impositiva, mas um lugar de trocas afetivas e presença sensível. É uma roda que se fecha em abraço. Uma constelação de vidas que se cruzam e se acolhem.
Elis Regina Dias oferece ao espectador um convite para revisitar nossas próprias histórias familiares, seus silêncios, suas cores, seus vazios e preenchimentos. Uma obra que pulsa memória e nos lembra que o tempo não apaga o que foi vivido com ternura, apenas transforma em arte o que não pode mais ser dito com palavras.