O rosto como senha: entre o conforto e o risco invisível
- Marisa Melo
- há 2 dias
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Atualizado: há 1 dia

A mão que abre. O olhar que libera. O rosto que se torna código. É belo, parece futurista. Mas também é perigoso. Porque ao mesmo tempo em que nos oferece comodidade, a biometria nos coloca diante de um dos riscos mais silenciosos: o roubo da própria identidade.
Nosso rosto hoje é usado para acessar apartamentos, academias, prédios comerciais, celulares, bancos, contas e contratos. Mas o que acontece quando essa imagem, essa digital, esse fragmento único de quem somos... vaza?
Porque diferente de uma senha, que podemos trocar, um rosto é inalterável. Uma vez que ele escapa para mãos erradas — por falhas técnicas, descuido administrativo ou má-fé — não há botão de reinício. Ele continuará a ser seu. E também, paradoxalmente, de quem o capturou.
Vazamentos de dados: o novo assalto silencioso
Não estamos mais falando apenas de senhas de e-mail ou CPF. Estamos falando de biometria facial, voz, retina e digitais armazenadas em sistemas sem garantias reais de segurança. Esses dados, quando vazados, podem ser usados para aplicar golpes altamente sofisticados. Clonagens de identidade, fraudes bancárias, acessos indevidos a registros confidenciais, contratos firmados sem consentimento... tudo isso já acontece, diariamente, com vítimas reais.
Em 2022, o Brasil registrou mais de 2 bilhões de dados pessoais vazados em diferentes plataformas, muitos deles contendo biometria. Esses dados, uma vez vendidos na chamada deep web, se tornam ferramentas para criminosos digitais que se aproveitam da natural confiança que depositamos em sistemas automatizados.
A falsa promessa da segurança total
Há uma ideia vendida com a biometria: a de que ela é infalível. Mas não é. Algoritmos podem ser enganados. Sensores podem ser burlados. Sistemas podem ser invadidos.
Além disso, muitos condomínios e estabelecimentos comerciais não contam com políticas claras sobre o tratamento e o armazenamento das informações biométricas. Em alguns casos, nem mesmo sabem onde ficam os servidores, ou se os dados são criptografados. O usuário, muitas vezes, é persuadido a se cadastrar sem ter noção de onde está pisando.
Exposição cotidiana: normalizamos o risco
Hoje, nossos rostos estão em redes sociais, câmeras de vigilância, aplicativos, cartões de crédito por aproximação, filtros de imagem e reconhecimento facial nos celulares. Entregamos nossa feição diariamente a dezenas de plataformas. Sem ler os termos. Sem saber o destino.
E é aí que mora o perigo. Quanto mais normalizamos essa exposição, menos percebemos o tamanho do que estamos oferecendo.
Como se proteger em tempos de olhos eletrônicos?
• Evite cadastrar sua biometria em locais não essenciais, sempre pergunte se há alternativas.
• Exija informações claras sobre onde os dados serão armazenados e por quanto tempo.
• Desconfie de tecnologias "gratuitas" ou excessivamente convenientes. O pagamento pode vir em forma de dados.
• Prefira autenticações com dupla verificação (senha + token, por exemplo).
• Use senhas fortes e nunca repita o mesmo código em diferentes serviços.
• Fique atento a movimentações estranhas nos seus dados bancários e cadastros públicos.
Privacidade é direito, não concessão
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) existe justamente para proteger o cidadão brasileiro, mas seu cumprimento ainda é frágil, especialmente em ambientes informais ou mal geridos. Por isso, mais do que confiar nas leis, é preciso cultivar uma vigilância ética sobre si.
Não é paranoia. É lucidez.Vivemos um tempo em que o dado vale mais que o produto. Onde a imagem pessoal se transforma em mercadoria. E onde a segurança verdadeira começa na consciência.