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Arshile Gorky | Passaporte para a Imortalidade


A Arte é o espelho da nossa alma. Dorian Gray e Fausto retratam sonhos: beleza, prazer, sabedoria... Oscar Wilde e Goethe souberam captar nosso íntimo, retratar suas épocas e entraram para a História. Esse é o poder da folha, da partitura e da tela em branco. Elas não esperam apenas mais um texto, mais uma canção, mais um quadro. Diante delas, um inglês escreveu “Ser ou não ser”. Um alemão combinou quatro notas mágicas em sua 5ª. Sinfonia. E um italiano pintou um sorriso enigmático. Passaram-se os séculos. E Shakespeare, Beethoven e da Vinci seguem vivos e reverenciados. Nenhum deles planejou isso. Mas ao traduzirem suas almas em suas obras, conquistaram um passaporte para a imortalidade. Quando essa entrega acontece, o observador é conquistado. E aplaude um estilo, que buscará avidamente no próximo quadro. Até criar uma intimidade que lhe permita em segundos relacionar a obra ao autor.


Vamos conversar sobre alguns artistas e seus estilos inconfundíveis.


Hoje conosco, Arshile Gorky.



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Arshile Gorky nasceu em 1904 na Armênia, em meio a um cenário de violência e deslocamento. Sobreviveu ao genocídio armênio, assistiu à fome devastar sua família e perdeu a mãe ainda na adolescência. Esses traumas iniciais marcaram profundamente sua vida e sua obra, que sempre carregaram a memória do exílio e da perda. Em 1920, emigrou para os Estados Unidos, reinventando-se não apenas como homem, mas também como artista.


Nos EUA, apresentou-se sob o pseudônimo “Arshile Gorky," escolha que revela sua necessidade de criar uma identidade nova, livre do peso do passado, mas também profundamente enraizada em uma biografia fragmentada. Estudou de forma obsessiva mestres como Cézanne, Picasso e Miró, copiando, experimentando, decomposto e recompondo influências. Sua vida se construiu entre a precariedade e a ambição, e foi nessa tensão que sua pintura encontrou espaço para florescer.


O estilo de Gorky é uma confluência de tradições e rupturas. Nos primeiros trabalhos, as marcas do cubismo e do surrealismo são evidentes: fragmentação das formas, exploração do inconsciente, o uso de símbolos biomórficos. Mas, gradualmente, esses elementos se transformaram em uma linguagem singular, que não era mera repetição das vanguardas europeias.




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Em suas telas, o gesto fluido convive com a memória traumática. As formas biomórficas evocam tanto organismos vivos quanto feridas abertas, como se cada linha fosse cicatriz e sopro de vida ao mesmo tempo. Diferente de muitos de seus contemporâneos, que buscavam romper radicalmente com o passado, Gorky transformou o passado em matéria plástica: um modo de lidar com lembranças dolorosas, transfigurando-as em cores, campos e ritmos visuais.


Obras como The Liver is the Cock’s Comb (1944) mostram esse equilíbrio: exuberância cromática, composição expansiva e um lirismo que convoca o espectador a entrar em um universo simultaneamente íntimo e coletivo. Ao mesmo tempo, a tela não deixa de carregar uma pulsação trágica, como se fosse a tradução visual de uma biografia marcada por perdas.




The Liver is the Cock’s Comb (1944)
The Liver is the Cock’s Comb (1944)

Arshile Gorky ocupa uma posição ímpar na história da arte: foi a ponte entre o Surrealismo europeu e o Expressionismo Abstrato americano. Sem ele, o salto de Nova York ao posto de nova capital da arte mundial teria sido diferente. Ele abriu caminhos para que artistas como Pollock e de Kooning encontrassem sua liberdade.


Ao contrário de muitos colegas, Gorky não viveu o auge do reconhecimento. Sua morte precoce, em 1948, aos 44 anos, interrompeu uma trajetória que ainda estava em expansão. Mas essa mesma interrupção confere às suas telas um peso adicional: são vestígios de uma potência interrompida, fragmentos de uma promessa que, mesmo não concluída, já havia deixado marcas definitivas.


Arshile Gorky conquistou seu passaporte para a imortalidade ao transformar sua biografia dilacerada em uma linguagem plástica que fala a todos. Sua obra não é apenas abstrata, mas memorial, cada traço parece conter lembranças, cada cor é impregnada pelo conflito entre vida e perda.


Hoje, suas pinturas fazem parte das coleções mais importantes do mundo, incluindo MoMA, Tate Modern e Centre Pompidou, e continuam a ser estudadas como matrizes fundamentais do Expressionismo Abstrato. Mais do que precursor, Gorky é lembrado como aquele que transformou a dor em invenção e mostrou que até as cicatrizes podem se tornar poéticas.


Sua arte permanece porque não se fecha em um estilo, mas se abre em ecos de sobrevivência e criação. Em cada pintura, há um vestígio de trauma e, ao mesmo tempo, uma afirmação de vida. É nesse paradoxo que reside sua imortalidade: Gorky nos lembra que a arte pode nascer do abismo, mas se eterniza na capacidade de criar beleza onde só parecia haver ruína.



Marisa Melo



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