A Cor da Semente da Melancia de Renata leal
- Marisa Melo
- 15 de fev. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: há 5 dias
Renata Leal cresceu onde a arte não era apenas cenário, mas respiração. Filha do silêncio das tintas e do rumor das imagens, sua trajetória floresceu sob a orientação da artista Andrea Franco, com quem compartilhou uma década inteira de estudo. Depois, buscou novos contornos na Escola de Arte do Mestre Paulo Frade, onde fortaleceu a arquitetura técnica que hoje sustenta sua obra.
Seu universo é tecido de crianças que guardam mistério, de pássaros que sopram mensagens de outros tempos, de símbolos que evocam a alma brasileira, um Brasil poético, mágico e encantado. Seu figurativo dança com o realismo, mas jamais se limita a ele. Ao contrário, convida o espectador a atravessar a superfície da tela e adentrar territórios de sonho, memória e desejo.
A artista trabalha com óleo sobre tela como quem sussurra segredos para a matéria. Cada pintura é costurada em camadas de velaturas, em pigmentos que ela mesma desenvolve, buscando transparências que deixam a luz respirar entre os poros da imagem. Há algo de alquimia no modo como constrói a pele, os olhos, o brilho. Como quem toca, sem jamais ferir.
Renata Leal também é psicanalista, e isso não é acaso. Suas obras carregam o eco das profundezas humanas. Cada cena pintada parece conter o silêncio do que não foi dito, o vestígio de um afeto antigo, a lembrança de algo que não sabemos se vivemos ou sonhamos.
Com presença em coleções particulares e passagens marcantes por exposições nacionais e internacionais, incluindo o Salão de Arte em Liechtenstein, Renata tem colecionado olhares. Mas, mais do que reconhecimento, o que ela parece buscar é um outro tipo de encontro: aquele que acontece quando alguém para diante de sua pintura e, por um instante, se reconhece.
Porque no mundo de Renata Leal, arte é travessia entre o íntimo e o sagrado.

Há algo de sonâmbulo e desperto nesta obra de Renata Leal, como se estivéssemos diante de uma infância que sonha com olhos abertos. “A Cor da Semente da Melancia”, óleo sobre tela realizado em 2023, não apenas evoca memórias de verão e doçura, mas mergulha numa poética visual que entrelaça psique e brasilidade.
O primeiro impacto é a frontalidade da criança, figura central que nos encara com serenidade encantada. O torso nu, os cabelos de cobre, a melancia entre as mãos, tudo sugere o frescor do instante, a delicadeza das primeiras descobertas. Mas é no topo da cabeça, onde repousa a jandaia, que o mistério se adensa. O pássaro não está apenas pousado; ele carrega no bico uma flor de melancia, gesto mínimo e extraordinário. É como se Renata Leal nos dissesse que o imaginário precisa ser plantado com gestos sutis.
Há nesse trabalho uma linguagem entre o realismo e o devaneio, marcada por uma paleta cálida e terrosa, onde o vermelho da fruta contrasta com a neutralidade do fundo, como um coração pulsando no meio do silêncio. A escolha do óleo sobre tela dá corpo às transparências que a artista domina com leveza. A pele da criança parece respirável. A plumagem da jandaia, vibrante, ecoa o calor do trópico. Os olhos, tanto do pássaro quanto da menina, não miram ao acaso. Há intenção no olhar, há pausa, há alma.
A obra guarda ainda ecos literários. A jandaia, ave cearense e simbólica, remete à "Iracema" de José de Alencar. Renata não cita por acaso. Ela insere camadas que exigem atenção: o Brasil profundo, as raízes afetivas, o tensionamento entre o popular e o erudito. A semente, tão pequena, passa a ser metáfora da origem. Do que se planta, do que germina, do que permanece mesmo após a fruta ser devorada.
Renata Leal não pinta apenas cenas. Ela constrói atmosferas com memória e intenção. Nesta tela, mais do que a representação de uma criança com uma fruta, encontramos um manifesto visual sobre delicadeza, pertencimento e infância como território de encantamento. Um chamado à contemplação no tempo certo da arte, aquele que não se mede em segundos, mas em respirações.