Roberto Jofre: Revelando a Alma de Buenos Aires nas Cores Pulsantes de Sua Arte
- Marisa Melo
- 25 de jan. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 9 de abr.

Há pintores que se lançam sobre a tela com fúria. Outros, como Roberto Jofre, se aproximam com escuta. Seu estilo não busca o impacto imediato, mas a reverberação íntima, aquela que ecoa por dentro mesmo após o olhar já ter partido. Ele pinta como quem dança tango, com contenção e entrega, tensão e lirismo. Uma dança entre o gesto e o silêncio. Em sua obra, o figurativo e o abstrato não se opõem, eles se combinam. É como se a figura surgisse da névoa emocional de um sonho, tomando forma pouco a pouco, ao sabor da memória e do mistério. Há uma arquitetura delicada nas suas composições, muitas vezes geometricamente estruturadas, com traços de cubismo e um apuro formal que não sufoca a emoção, mas a organiza. Ele é um artista do intervalo: entre o corpo e a sombra, entre o rosto e a máscara, entre a cena e o símbolo. Sua paleta carrega a alma de Buenos Aires: vinhos fechados como a garganta depois de um choro contido, beges exaustos como a luz da madrugada sobre a madeira antiga dos cafés, azuis opacos que lembram as noites abafadas dos bairros portenhos. São cores que não gritam, mas dizem. Tons de um drama contido, de uma saudade que já não se nomeia. Tudo parece tingido por um tempo suspenso, por uma história que se cala, mas não cessa de vibrar.
É impossível falar de Jofre sem falar da cidade que atravessa sua obra com alma e corpo: Buenos Aires. Está ali não apenas como cenário, mas como estado de espírito. A cidade emerge nos espelhos dos cabarés, nos tampos de mármore das mesas, nos passos lentos dos dançarinos, no cigarro ainda aceso no canto da tela. É uma Buenos Aires que ele reconstrói a partir de sua própria biografia afetiva e da herança cultural dos imigrantes que moldaram sua identidade. Cada pintura sua parece uma carta em lunfardo, aquele idioma secreto dos subúrbios da cidade, feito de desejo e perda, de códigos e memórias. E há os gatos. Figuras recorrentes, silenciosas, quase espirituais. Eles vigiam, sugerem, conduzem o olhar. São sombras felinas que deslizam por suas composições como metáforas da noite, do mistério, daquilo que nos escapa. Como se fossem cúmplices do artista, partilhando com ele os segredos que a pintura não revela, mas insinua.
Jofre é autodidata, começou sua trajetória em 2001, e desde então vem construindo uma obra sólida, sensível, profundamente autoral. Ao longo dos anos, sua pintura foi ganhando amplitude. Se antes mergulhava mais decididamente na figuração, hoje flerta também com o abstrato, como quem explora os limites da linguagem para tocar o que é indizível. Essa busca estética e espiritual já o levou a expor em Paris, Nova York e outras cidades, sempre com a mesma sobriedade de quem prefere sugerir ao invés de afirmar.
Sua pintura é de escuta e espera. Seus personagens não posam, habitam. Têm postura, mas não rigidez. Falam com os ombros, com as mãos, com os olhos semicerrados. São corpos que lembram atores na antessala de uma cena, suspensos entre o que foi e o que virá. Há neles um drama argentino sim, mas filtrado por uma elegância contida, por uma afinação quase musical. Roberto Jofre nos convida a entrar em suas obras como quem adentra um quarto em penumbra, onde ainda paira o cheiro do cigarro, a música distante, o rumor de uma conversa interrompida. Nada é óbvio, tudo é atmosfera. E é nesse intervalo entre a forma e o afeto que ele constrói sua arte, uma arte que não quer decifrar o mundo, mas devolvê-lo ao seu estado mais poético: o da sugestão.