Tempus Fugit — a beleza que se dissolve na urgência do mundo
- Marisa Melo
- 15 de nov. de 2023
- 2 min de leitura
Atualizado: 9 de abr.

Há imagens que não se olham, se absorvem. "Tempus Fugit" é uma dessas. A composição evoca a sensação de estar dentro de um relógio desgovernado, onde ponteiros invisíveis marcam não mais a hora, mas a urgência do colapso. Um mundo que não sabe parar, mesmo diante de um "STOP" gritado ao chão como um lamento surdo.
A mulher ao centro, figura quase mítica, ergue as mãos como quem tenta conter o incontrolável, em gesto entre o sagrado e o desespero. Seu rosto, etéreo e hipnotizante, parece emergir da poeira cósmica, como se estivesse sendo soprada para longe por ventos que vêm de todos os lados, ou por uma cidade que nunca dorme. Sua expressão, de olhos fechados e lábios entreabertos, paira entre a meditação e a rendição. Ela é musa e mártir do tempo que devora.
As multidões atravessando a faixa são vultos, corpos sem rosto, passos sem pausa. Carregam o peso do automatismo moderno. São nós, atravessados pela pressa, pela produção incessante, pela ansiedade que nos esfarela a cada escolha. O tempo, explode em fragmentos que se confundem com fumaça, movimento e poeira. A inclusão de um relógio, de uma figura menor que o observa, reforça a metáfora do tempo líquido de Bauman, esse tempo que escapa das mãos, que se desfaz no instante mesmo em que se torna presente. Tudo é efêmero, tudo é consumo, tudo é agora. E o agora já morreu.
Há também uma nota de crítica à estética do sucesso. A beleza impecável da mulher não é convite, é denúncia. Mesmo o belo está sendo triturado pela aceleração. Sua pele perfeita se esfarela, seus contornos se dissolvem. O colar, como uma coroa de espinhos prateada, adorna o pescoço de uma deusa cansada, uma Afrodite pós-moderna que contempla sua própria desintegração com olhos fechados, talvez para não enlouquecer.
"Tempus Fugit" é uma convocação silenciosa à desaceleração. Um pedido de pausa. Um lembrete de que o que nasce hoje, nas redes, nas vitrines, nos algoritmos, já nasce morrendo. A urgência se tornou um ciclo de morte e renascimento, onde nada tem tempo de florescer.
E a arte, aqui, não se propõe a dar respostas. Ela oferece uma fresta. Um intervalo. Um espaço onde talvez possamos, enfim, respirar.