Quando o silêncio pulsa cor: Gane Coloda e a fotografia como revelação
- Marisa Melo
- 24 de abr.
- 3 min de leitura
Atualizado: há 4 dias

Em Flores da Cunha, nasceu Gane Coloda, uma artista que não olha o mundo com pressa. Desde menina, quando observava seu pai registrar cenas do cotidiano com uma filmadora caseira, Gane aprendeu que o tempo tem camadas, e que a vida, quando vista com delicadeza, revela uma beleza que não grita, apenas existe.
Ao longo de sua trajetória, Gane desenhou com luz os contornos da existência. Transitando entre o retrato, o documental e o abstrato, sua produção é marcada pela escuta. Seja nas delicadezas familiares que compõem sua série Lifestyle, seja nas narrativas femininas que atravessam Caiena, ou nos ritos íntimos celebrados em Dressing the Bride, o que sustenta sua obra é sempre o vínculo, com a pessoa, com a história, com o instante. Seu trabalho é uma tentativa de eternizar aquilo que o tempo costuma apagar.
Mas foi no campo da abstração que Gane Coloda encontrou um novo vocabulário, mais intuitivo e cósmico. A série Origem, realizada a partir de incursões fotográficas na Amazônia, talvez seja sua obra mais visceral. Longe de repetir clichês imagéticos da floresta, Gane preferiu fechar os olhos do corpo para abrir os da alma. A câmera tornou-se extensão de seu sentir, e o que brotou desse encontro foi uma sequência de imagens que não retratam a natureza, revelam-na.
A fotografia Origem 5, uma das mais instigantes da série, é pura expansão. Um vórtice de luz e cor que pulsa entre o âmbar e o branco, como se a terra sagrada da Amazônia se abrisse em espiral, num movimento inaugural, como um ventre em criação. Não há formas definidas, mas tudo é forma. A imagem nos devolve à ideia do elementar, da gênese, do ponto em que a matéria se converte em energia. Gane não fotografa a floresta, ela escuta seu primeiro suspiro.
A paleta é contida, mas rica em nuances. Tons neutros se fundem com brilhos velados, revelando um jogo entre o escuro que abriga e o claro que nasce. Há um movimento quase sonoro na imagem, como se fosse possível ouvir a expansão do universo, o eco de uma estrela que se forma dentro do solo. “Origem 5” é matéria e espírito, raiz e luz, a comunhão entre o que está embaixo da pele da terra e o que respira no alto das copas. Um microcosmo em convulsão poética.
A artista, que passou mais de uma década burilando seu olhar, alcança nesta série um ponto de maturidade emocional rara. Não há pressa em sua fotografia, não há truque. Há um pacto com a verdade sensível. E é isso que torna sua obra tão essencial. Em tempos de excesso visual, Gane oferece silêncio. Em tempos de velocidade, oferece pausa. Em tempos de ego, oferece conexão.
Projetos como Mulheres do Interior e Longa Vita já haviam revelado sua capacidade de tocar o íntimo sem violá-lo, de documentar com poesia, de olhar com ternura. Agora, com Origem, Gane Coloda mergulha ainda mais fundo: não em histórias pessoais, mas na memória ancestral que nos une a todos. Sua fotografia se torna um portal entre a terra e o céu, entre o tempo e o eterno, entre o visível e o que só a arte é capaz de traduzir.
Ao final, o que se vê não é uma imagem. É um chamado. Um convite para voltarmos à origem, não a geográfica, mas a essencial. A série Origem é o espelho de um mundo antes do mundo. E Gane, com sua câmera e sua alma descalça, nos leva até lá. Com doçura. Com coragem. E com arte.
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