O Desafio de Navegar no Tempo, no Poder e nas Transformações Contemporâneas
- Marisa Melo
- 20 de mar.
- 2 min de leitura
Atualizado: 23 de jun.

Curador que só pensa a partir da teoria não entendeu o próprio ofício. Curadoria começa no espaço, no tempo e na escuta de quem cria. É corpo a corpo com a obra e com o contexto. Não dá para fingir que existe liberdade total quando se está dentro de um sistema que ainda repete fórmulas. O artista precisa saber disso. Precisa entender onde está pisando, quem está olhando e o que ainda resiste a mudar.
A verdade é que o cenário nem sempre acompanha o movimento de quem produz. O artista avança, mas muitas vezes encontra portas trancadas, discursos ultrapassados e estruturas que não deram conta de se atualizar. Na prática, ainda tem muito curador reproduzindo modelo antigo e tentando enquadrar trabalhos que não cabem mais ali. Isso gera tensão, claro, e às vezes essa tensão é produtiva. Mas quando não se olha com abertura, vira bloqueio. E o que era para ser ponte, vira muro.
Arte contemporânea não se faz sem contexto. Ela nasce do agora, dos ruídos, das urgências. Quem trabalha com curadoria precisa estar dentro desse tempo, não como observador distante, mas como alguém que compreende o risco, o corte, a provocação. As obras não estão ali para decorar nem para agradar. Elas rasgam. Reorganizam o que a gente acha que já entendeu. Mudam o uso dos materiais, subvertem linguagens, desmontam imagens. Elas carregam crítica, mesmo quando falam baixo. E para enxergar isso, é preciso escuta e responsabilidade.
Curadoria não é só escolher o que vai para a parede. É entender o que sustenta aquela obra, por que ela existe, o que ela está dizendo e para quem. E isso passa, sim, por ideologia, por política, por posicionamento. Como disse Walter Benjamin, o tempo histórico não é uma linha reta. É feito de rupturas, de brechas, de revisões. O curador que não entende isso está só repetindo vitrine. O curador que interessa é o que percebe o tempo da obra, o que ela exige, onde ela deve estar e como ela se articula com o espaço onde se insere.
A escolha de uma obra em uma exposição não é neutra. Ela constrói discurso. Ela direciona o olhar. O curador precisa ter clareza do que está colocando em cena. Porque o que ele escolhe mostrar também define o que continua sendo invisível. E isso tem peso. Isso tem consequência.
Curar, no fim das contas, é posicionar. É decidir onde a arte vai falar, como ela vai ser escutada e o que ela pode provocar. E isso não se faz com neutralidade. Se faz com critério e com a coragem de sair do confortável.