Francisca G. do Nascimento Ohlsen: quando o rio é memória, e a estopa é pele
- Marisa Melo
- 28 de dez. de 2023
- 2 min de leitura
Atualizado: 16 de mai.

Há artistas que pintam com os olhos, outros com as mãos. Mas há aqueles, poucos, que pintam com a lembrança. Francisca G. do Nascimento Ohlsen pertence a esse último grupo. Em sua série “Mulheres na Beira do Rio – 2023” e “Índias na Beira do Rio – 2023”, a artista brasileira radicada na Alemanha não nos mostra o Brasil. Ela nos devolve o que quase esquecemos dele.
Sua técnica é marcada por uma escolha que não é apenas estética, mas sensível: o uso da estopa como suporte. A textura porosa, quase rústica, aproxima as cenas da terra, do chão, do corpo. Não é um tecido neutro, é um convite à matéria. As cores, ao se alojarem sobre a estopa, ganham espessura, ficam mais próximas da pele do mundo. E isso muda tudo.
“Mulheres na Beira do Rio”, o que vemos não é uma cena imaginada, nem uma construção simbólica. É um fragmento de vida cotidiana que se eterniza porque carrega em si o peso da experiência vivida. Mulheres lavando roupas às margens do rio, crianças brincando, baldes coloridos espalhados como se fossem frutos colhidos da beira. O gesto é simples. Mas a forma como Francisca o traduz é tudo menos banal. Há cuidado nos contornos, há intenção na paleta, há uma luz que parece se lembrar de quando era sol de infância.

“Índias na Beira do Rio”, mergulha ainda mais fundo no íntimo. Mãe e filha dividem o tempo entre o trançar dos cabelos e o silêncio do rio. Duas presenças entrelaçadas por um gesto ancestral. Enquanto isso, ao fundo, outras crianças brincam na água, e o cenário pulsa com uma tranquilidade que não é inércia, é presença. A artista não romantiza, tampouco congela. Ela observa. E, ao pintar, compartilha conosco esse olhar terno, quase sussurrado.
Francisca, formada e residente na Alemanha, carrega consigo a distância. Mas sua pintura é prova de que a distância não é ausência. Pelo contrário: é o que permite ver com mais nitidez. E é isso que se percebe em cada obra: um Brasil visto desde longe, mas sentido bem de perto.
Sua paleta é quente, mas não explosiva. Os tons terrosos predominam, costurados com verdes úmidos, azuis de correnteza e vermelhos que surgem como pontos de memória. As figuras não estão detalhadas ao extremo, e não precisam. Elas são reconhecíveis não pela nitidez, mas pelo afeto. O que ela pinta não são corpos. São presenças.
Ao escolher a estopa como superfície, Francisca reafirma algo que percorre toda sua poética: a arte como matéria de contato. Não é uma arte para ser apenas vista. É para ser sentida. Como se cada pincelada carregasse o cheiro da beira do rio, o som das águas misturado aos risos, o calor do corpo dobrado sobre a roupa ensaboada.
Essas obras, reunidas no Catálogo de Natal da UP Time, estão disponíveis para aquisição. Mas o que se leva para casa ao adquiri-las vai além de uma composição bem feita. Leva-se uma história que não está no papel, mas na lembrança da artista. Um fragmento de país, de tempo, de intimidade partilhada.