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Mazé Andrade, 40 anos: a forma que escuta, o gesto que permanece

Atualizado: há 4 dias


Exposição virtual 3D - Mazé Andrade_ Território da Alma: Identidade, memória e as histórias que Mazé Andrade imprime em suas criações - Curadoria Marisa Melo - Realização: UP Time Art Gallery
Exposição virtual 3D - Mazé Andrade_ Território da Alma: Identidade, memória e as histórias que Mazé Andrade imprime em suas criações - Curadoria Marisa Melo - Realização: UP Time Art Gallery

Acesse o link da exposição:


Celebrar os 40 anos de trajetória artística de Mazé Andrade não é apenas uma homenagem. É reconhecer o valor de uma obra construída com tempo e corpo. Mazé não se moveu pelas modas, não se apressou pelos circuitos da validação externa. Sua permanência foi feita de raiz. Ela bordou sua presença com um fio resistente, capaz de sustentar o essencial.


A exposição Território da Alma: Identidade, memória e as histórias que Mazé Andrade imprime em suas criações, em cartaz na plataforma www.uptimegallery.com, reúne esse percurso como quem costura uma pele antiga e ainda viva. A mostra oferece um mergulho em uma linguagem que Mazé construiu com rigor, afeto e lucidez. Não há concessão estética, nem truques formais. Há gesto. Há verdade. Há um saber que brota da escuta.




Esculturas: corpos simbólicos entre o mistério e a matéria


As esculturas de Mazé Andrade são silenciosas apenas à primeira vista. Ao contemplá-las, percebe-se que há uma pulsação interna, uma vibração que nasce do barro, da porcelana, do gesto. Cada peça carrega uma atmosfera que escapa ao tempo, como se tivesse sido desenterrada de um sonho ancestral.


Na obra Cara de Ovo (2022), modelada em cerâmica esmaltada e queimada a até 1250 graus, o rosto delicadamente esculpido em uma superfície ovoide branca sugere tanto o nascimento quanto o mistério. Há ali uma serenidade inquieta: olhos translúcidos, boca cerrada, pele de vidro. Mazé opera com rigor técnico, mas o que mais impressiona é sua capacidade de transformar uma forma minimalista em presença quase onírica.


Cara de Ovo (2022), modelada em cerâmica esmaltada e queimada a até 1250 graus
Cara de Ovo (2022), modelada em cerâmica esmaltada e queimada a até 1250 graus

Ouro de Ana (2020), fundida a partir da modelagem em argila, se revela como um artefato atemporal. A escultura dourada, de olhos cerrados e sobrancelhas arqueadas, remete a figuras ritualísticas de civilizações distantes, como se condensasse uma sabedoria silenciosa. A escolha do dourado não é mero adorno: é linguagem. O brilho quase sagrado dialoga com a introspecção do rosto, criando uma tensão entre o material e o espiritual.



Ouro de Ana (2020), fundida a partir da modelagem em argila
Ouro de Ana (2020), fundida a partir da modelagem em argila

Mulher Cajueiro (2024), em argila de queima baixa, é talvez a mais terrena das três, mas não menos simbólica. A fusão entre rosto feminino e elementos da natureza, como frutos e folhas, cria uma figura híbrida, encantada, que evoca os mitos do feminino vegetal. Os olhos são grandes, atentos, quase vigilantes, e a boca carrega um sorriso contido, como se escondesse uma história que só pode ser revelada pela escuta atenta.


Mazé domina não apenas os materiais, mas sobretudo a linguagem da forma. Cada peça é uma aparição, um corpo simbólico que se impõe com delicadeza.




Mulher Cajueiro (2024), em argila de queima baixa
Mulher Cajueiro (2024), em argila de queima baixa

O desenho e a gravura como corpo gráfico


Mazé Andrade possui domínio rigoroso sobre o desenho e a gravura, duas linguagens que ela não utiliza como apoio ou esboço, mas como plataformas autônomas de investigação visual. Com mais de quatro décadas de atuação, desenvolveu um repertório gráfico coeso, marcado por uma combinação consistente entre técnica apurada, simbologia própria e coerência estética.


Sua produção gráfica, majoritariamente em litografia, destaca-se pela precisão do traço e pela construção de volumes por meio de hachuras finas e gradações tonais muito bem controladas. Mazé entende a gravura como meio de expressão plena, e não como ferramenta complementar à escultura. Suas imagens possuem densidade e autonomia, sustentadas por uma estrutura compositiva sólida e uma distribuição equilibrada entre cheios e vazios.



Litogravuras



Os elementos recorrentes, olhos, espirais, formas orgânicas e femininas, compõem um vocabulário visual simbólico, que confere identidade autoral à sua obra. A artista articula esses símbolos com clareza formal, utilizando o contraste entre preto e branco para reforçar tensões internas, dinâmicas de movimento e atmosferas psíquicas.


Tecnicamente, sua litografia evidencia domínio dos processos de gravação e impressão, com tiragens bem definidas e acabamento cuidadoso. A escolha pela monotipia em algumas composições também revela seu interesse por variações expressivas dentro de estruturas semelhantes, demonstrando flexibilidade sem perder consistência.


Nos desenhos, Mazé demonstra habilidade construtiva e consciência do espaço. Suas linhas não são estruturais. Elas delineiam formas com intenção e controle, mantendo ao mesmo tempo uma expressividade sensível que não compromete a clareza formal.


O conjunto de sua obra gráfica revela um processo contínuo de investigação estética e simbólica, sustentado por base técnica e decisões formais conscientes. Mazé Andrade é, sem dúvida, uma artista que compreende o desenho e a gravura como fundamentos, e não como meios intermediários, de sua linguagem artística.




PROJETO MATA ATLÂNTICA



A pintura como sopro íntimo


Na pintura, Mazé Andrade transporta sua escuta silenciosa da matéria para a vibração das cores. Longe de uma paleta contida, sua produção pictórica se firma pela escolha de tons intensos e afirmativos. O azul profundo que recobre o plano de fundo de muitas obras não é neutro, é campo de contraste, atmosfera simbólica. O vermelho do tiê-sangue, o verde pulsante da vegetação, o rosa incendiado dos cabelos femininos: tudo vibra, tudo pulsa.


Sua série dedicada à Mata Atlântica é um registro da relação sensível entre arte e natureza. Embora essas obras não integrem a exposição Território da Alma, fazem parte de um ciclo essencial na trajetória da artista, e merecem ser mencionadas ao se tratar de seus 40 anos de produção. Elas revelam uma fase em que o imaginário se conecta ao bioma, e onde a natureza é tanto cenário quanto personagem.

Mazé representa com liberdade formal elementos botânicos, aves e figuras mitopoéticas, mas sem abrir mão do rigor compositivo. Há estrutura na espontaneidade. Ramo por ramo, tronco por tronco, as composições se constroem com sobreposições de textura, pintura direta, colagens naturais e uso expressivo do gesto.


A artista domina a aplicação da tinta com intencionalidade: ora matiza com leveza, ora deposita camadas densas que dão corpo aos elementos. Sua pintura dialoga com o relevo, com o volume das fibras naturais que integra, gerando superfícies táteis que parecem crescer para fora do suporte.


Em suas telas, a natureza não é pano de fundo, mas protagonista. A mata é símbolo e presença, é lugar de origem e de enigma. E nela, o feminino é figura recorrente, como força vital que atravessa troncos, brota em folhas, observa em silêncio.


A pintura, em Mazé, é um campo de linguagem onde gesto, matéria e cor constroem uma poética profundamente vinculada ao território e ao sensível. Um sopro íntimo que se afirma com intensidade formal e consciência simbólica.




Mazé Andrade_foto divulgação
Mazé Andrade_foto divulgação

A linguagem que se mantém


Mazé Andrade construiu, ao longo dessas quatro décadas, uma linguagem coerente e profundamente sua. Não houve pressa, nem interferência externa que a fizesse desviar. Sua obra é como uma casa bem construída, onde tudo tem função e afeto. Ela se move entre técnicas com domínio absoluto, mas sua assinatura está sempre ali, no gesto contido, no silêncio ativo, no traço que escuta mais do que fala. Sua arte não se rende ao fugaz. E é por isso mesmo que segue viva.


Território da Alma é uma síntese. A exposição nos conduz por diferentes fases, técnicas e linguagens de Mazé, mas, mais do que isso, nos convida a habitar sua forma de ver. Cada obra é uma declaração de existência, mas não de forma ruidosa. Mazé diz “eu estou aqui” com a elegância de quem não precisa provar, apenas oferecer. E o que ela oferece é um corpo de trabalho que nos reconcilia com a beleza do tempo, do fazer com sentido.


A mostra virtual 3D de "Território da Alma: Identidade, memória e as histórias que Mazé Andrade imprime em suas criações", é uma experiência que se torna quase tátil. O visitante não apenas vê, percorre. A arquitetura digital da mostra foi pensada como se fosse um corpo, com entradas, respiros e pulsos. Cada obra é um espaço que se deixa habitar devagar, como quem observa o tempo passar entre uma sala e outra.

Não se trata de simular a presença física, mas de oferecer outra forma de aproximação, íntima, silenciosa, delicada. A tecnologia não rouba a cena, apenas se coloca a serviço daquilo que Mazé sempre soube conduzir com maestria: criar espaços onde a arte respira com verdade. Um território onde a alma, enfim, encontra chão.



Celebrar os 40 anos de trajetória de Mazé Andrade é, antes de tudo, reconhecer a firmeza de uma artista que nunca se curvou às pressões do mercado nem aos modismos passageiros que rondam o mundo da arte. Sua obra não se dobra ao apelo do efêmero, porque nasce de um lugar mais profundo: o compromisso com o fazer sensível, com a matéria como extensão do pensamento e com o gesto como forma de permanência.


Em um país que ainda impõe obstáculos reais à continuidade da vida artística, sobretudo para mulheres, sobretudo fora dos grandes centros, Mazé construiu, peça por peça, desenho por desenho, uma produção coesa, ampla e autoral. Resistiu ao apagamento com trabalho contínuo, com ética de ofício e com a coragem de afirmar uma linguagem própria, mesmo quando os caminhos eram estreitos.


Ao longo de quatro décadas, Mazé nos ofereceu um repertório que transita com maestria entre escultura, desenho, gravura e pintura, sem perder o fio poético que une todos esses territórios.


Que este momento de celebração não seja apenas um marco, mas um ponto de partida para novos diálogos, novos públicos e novos espaços de visibilidade. Mazé Andrade é uma artista que honra a tradição, mas que também aponta caminhos. Que sua obra continue sendo contemplada com o tempo que ela exige e o respeito que ela merece.



Serviços:


Realização: UP Time Art Gallery

Curadoria: Marisa Melo

Período: 01 de maio a 01 de julho de 2025

Plataforma: Kunstmatrix





Este texto integra meu trabalho curatorial dedicado a artistas contemporâneos em diálogo com o tempo e a memória. Publicado em parceria com a UP Time Art Gallery, faz parte de uma série de reflexões que valorizam o processo, a linguagem e o olhar de cada artista apresentado. Para conhecer mais sobre a obra de Mazé Andrade explore os conteúdos: https://www.artesmazeandrade.com/

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