Julia Dalcastagné e a delicadeza do sombrio:o desenho como território de desconforto e fascínio

Desenho com esferográfica (bic)

As obras de Julia Dalcastagné com caneta esferográfica, ou, como se diz na simplicidade do cotidiano, caneta Bic, é um mergulho em um universo ao mesmo tempo inquietante e encantador. Nesses desenhos densos, onde o preto e o vermelho dançam entre linhas cruzadas, texturas minuciosas e traços carregados de energia emocional, o gesto repetido da caneta sobre o papel não apenas constrói imagem: constrói atmosfera.

Não se trata de ilustração espontânea ou de improviso. Há rigor. Há obsessão. Há uma entrega corporal ao traço que confere a essas figuras, híbridas entre o lúdico e o perturbador, uma vitalidade inegável. Bonecos de pano que parecem rir enquanto sangram, universos mentais habitados por doces e monstros, personagens que nos olham com olhos costurados e bocas caladas, mas que dizem tudo no silêncio da imagem.

O universo de Julia, mesmo quando se aproxima do infantil, nunca se permite ingênuo. Existe um humor ácido e uma crítica sutil embutida em cada escolha de expressão, seja na tipografia que grita "DIE DIE DIE!" ou nas paletas restritas que reforçam o contraste entre pureza e brutalidade. A artista domina com inteligência o uso da caneta Bic, um material popular, frequentemente negligenciado como técnica artística, e a transforma em instrumento de potência visual. O preenchimento denso, o uso do hachurado como forma de modelar volumes e sombras, e a contenção cromática, sempre pontuada pelo vermelho, criam um estilo absolutamente autoral.

Julia é uma artista de múltiplas camadas. Além do desenho com esferográfica, que por si só exige controle técnico e paciência, ela transita com desenvoltura entre a pintura a óleo e a escultura, revelando-se uma criadora que não se limita aos suportes. Cada mídia que toca é tratada com o mesmo rigor. Sua linguagem permanece coesa, mesmo quando se transforma, há algo em sua poética que persiste e se reconhece, seja na tridimensionalidade de uma escultura, nas transparências do óleo ou nas tramas densas do papel. A beleza que ela nos oferece é uma beleza ferida, em carne viva. E, por isso mesmo, absolutamente necessária.