Júlia d’Paula: a poesia das cores nascida no coração do Tocantins
- Marisa Melo
- 25 de abr.
- 6 min de leitura
Histórias de Todas Nós Mulheres é um espaço onde vozes femininas encontram chão e eco. Um lugar de memória e de partilha, onde cada trajetória narrada não é apenas sobre uma mulher, mas sobre muitas. Aqui, celebramos aquelas que, com seus gestos, constroem caminhos de beleza, coragem e pertencimento.
A história de Júlia d’Paula, artista plástica tocantinense de apenas 16 anos, é dessas que nos fazem parar, respirar e acreditar. Ainda tão jovem, Júlia já compreende que a arte pode ser abrigo, ponte e espelho. Sua pintura não é um fazer passageiro, mas um modo de estar no mundo. Neste relato, ela nos conduz com leveza e intensidade por uma trajetória que começa na infância, atravessa fronteiras e nos lembra que a arte verdadeira não pede idade, pede alma.

Há artistas que amadurecem cedo, não porque o tempo apressa, mas porque o chamado da arte chega antes mesmo da consciência do que se está fazendo. Assim é com Júlia d’Paula, uma jovem artista plástica tocantinense que, aos 16 anos, já carrega consigo uma história rara de escuta, entrega e expressão.
Sua relação com a pintura começou antes mesmo das palavras ganharem peso. Aos quatro anos, trocava com naturalidade as bonecas pelos pincéis, preferia as tintas às brincadeiras de casinha, e mergulhava nos desenhos como quem encontrava ali um abrigo silencioso. Sua mãe conta que era sua atividade preferida, um ritual diário que nascia da espontaneidade e se tornaria, com o tempo, o eixo de sua existência.
Há meninas que chegam ao mundo já carregando uma luz própria, como se soubessem, desde muito cedo, que vieram para deixar rastro. Júlia d’Paula é uma dessas presenças raras. Seu sorriso é desses que conquista sem esforço, seu jeito é leve. Uma simpatia espontânea que toca quem cruza seu caminho.
Tudo começou quando ela ainda tinha quatro anos. Estava no escritório da mãe, onde já se movimentava com desenvoltura entre computador e impressora. Selecionou sozinha a imagem de um porquinho, imprimiu, pintou com tintas e ofereceu de presente. A mãe, emocionada com a escolha de cores e a intuição estética da filha, intuiu ali não apenas um talento precoce, mas um chamado. E não hesitou. Passou a encher a casa de materiais, a estimular sua liberdade criativa, a cercá-la de livros, oferecendo o espaço fértil onde Júlia pudesse crescer.

Entre os quatro e os doze anos, Júlia pintou com intensidade e uma alegria que parecia inesgotável. Na fase mais lúdica da infância, surgiram personagens que habitavam seu universo afetivo: Elsa, Ariel, Bob Esponja, os Minions, Pikachu. Mas mesmo nesses temas, escolhidos pelo coração de menina, já havia composição, escolha cromática, intenção.
A menina que amava pintar também dançava. As bailarinas que surgiram em suas telas carregavam movimento e leveza, como reflexos do que vivia com o corpo e transbordava com as mãos. Júlia não copiava. Não seguia regras. Pintava o que sentia, com a liberdade rara de quem ainda não conhece as amarras do mundo.
Ao lado da mãe, da avó e da bisavó, aprendeu também a amar as plantas. Esse amor, transmitido como herança silenciosa, virou cor em suas telas. Pintou muitas plantas, entendendo, que elas não apenas embelezam os ambientes, mas também as almas. A natureza, em Júlia, sempre esteve ligada ao cuidado, à memória, ao sagrado.
Em 2018, a vida costurou uma página dolorosa e, ao mesmo tempo, milagrosa na história da família. Um gravíssimo acidente de carro colocou mãe e filha diante do que poderia ter sido o fim. Mas o que ficou foi a fé. Saíram ilesas. E debaixo do carro, intacta, encontraram a imagem de Nossa Senhora que acompanhava a família. Júlia, ainda tão jovem, soube transformar esse episódio em pintura. Registrou em tela a figura da Virgem, não como mero retrato, mas como expressão de gratidão. Mais uma vez, a arte serviu para costurar a vida, para guardar aquilo que o coração não podia esquecer.

Hoje, aos 16 anos, Júlia d’Paula já acumula mais de 200 obras, seis exposições individuais e participações em coletivas no Brasil e no exterior, São Paulo, Rio de Janeiro, Paris, Madrid, Osaka, Varkaus, Bruxelas. Uma trajetória impressionante não apenas pelos feitos, mas pela maneira silenciosa, firme e cheia de sentido com que tudo floresceu.
Nascida no Tocantins, um estado de calor intenso e alma generosa, mas historicamente fora do circuito tradicional das artes, Júlia carrega em si tanto o desafio quanto o orgulho de representar sua terra. Ela sabe que ser artista em um país como o nosso é uma travessia. Ser mulher, jovem e vinda de uma região ainda invisibilizada, torna essa travessia ainda mais exigente. E é justamente essa consciência que a impulsiona a seguir criando, investindo ainda mais no seu talento.
Seus quadros são vibrantes como o sol que ilumina o Cerrado. Trabalha com tinta a óleo e carvão, mas é na espátula que seu gesto se mostra mais livre, mais sincero. Seu espatulado é forte sem ser bruto, é denso sem ser pesado. A textura não serve apenas ao olhar, mas ao sentir.
Inspirada por Van Gogh, Júlia encontrou sua própria voz, uma pintura que não busca agradar, mas tocar. Que não decora espaços, mas inaugura silêncios. Suas aves, tucanos, araras, pequenos pássaros em voo, não são apenas belas. Elas representam liberdade. A liberdade de ser artista, de ser mulher, de ser quem se é sem pedir permissão.

O reflexo do sentir: a paisagem que Júlia trouxe do coração
É difícil acreditar que esta tela tenha sido criada por uma criança tão pequena. Mas ao mesmo tempo, ao olhá-la com cuidado, tudo faz sentido, porque há obras que não precisam de idade, apenas de verdade. E isso Júlia d’Paula sempre teve de sobra.
Nesta composição feita entre os seus quatro e oito anos, Júlia pinta uma paisagem que pulsa com a vibração da natureza. O céu respira em tons delicados, as montanhas ondulam suavemente ao fundo, e as árvores explodem em cor, um amarelo-ouro que quase canta e um roxo vibrante que lembra os ipês floridos do cerrado. Há uma harmonia intuitiva entre os elementos, como se tudo tivesse sido colocado no lugar certo por sensibilidade.
O que salta aos olhos é a paleta: viva, intensa, quase jubilosa. Júlia não teve medo da cor. Ela escolheu o que sentia. O amarelo do ipê domina a cena como um sol, aquecendo a margem do riacho e tingindo sua superfície líquida com reflexos dourados. O roxo do outro lado da tela equilibra a composição como um contraponto poético, enquanto o verde, abundante e vibrante, costura a paisagem com vida. A casinha ao centro parece brotar do chão, como parte da natureza. Há aconchego. Há infância.
Mas talvez o mais tocante desta obra seja a maneira como Júlia se inscreve nela. Sem estar visivelmente representada, ela está em tudo: na escolha das cores, no gesto que forma as copas das árvores, no brilho da água que reflete o mundo com doçura. Esta paisagem não é um lugar, é o olhar de uma menina que já via o mundo com beleza, mesmo antes de entendê-lo.
E aqui está o que diferencia essa obra de uma simples pintura infantil. Júlia, ainda tão pequena, já demonstrava domínio da composição e um senso de harmonia visual que surpreende.
É por isso que esta obra, nascida na primeira infância, é, para mim, Marisa Melo, que tenho a honra de contar sua história, uma das mais emblemáticas de sua trajetória. Confesso, me comovi o tempo todo enquanto escrevia. Achei que já conhecia tudo sobre ela, mas não. Esta pintura carrega a semente de tudo o que viria depois: o uso intuitivo da cor, a composição afetuosa, a presença da natureza, a quietude luminosa de suas paisagens interiores. Júlia d’Paula, mesmo menina, já era artista. E nesta tela, o tempo nos permite ver, com clareza, a gênese de sua luz.
"Participar do projeto História de Todas Nós Mulheres é, mais do que uma homenagem. É pertencer a uma linhagem de mulheres que ousaram criar seus próprios caminhos. Nossa história é feita de afeto, de fé, de superação e de uma força que cresce com o tempo." Júlia d'Paula
Ela ainda é jovem, sim. Mas isso não define sua grandeza. Sua arte tem densidade, tem gesto, tem alma. Júlia é a prova viva de que o talento verdadeiro não espera a maturidade para florescer. Ele apenas se deixa burilar, como um diamante que a vida esculpe sem pressa.
Do Tocantins para o mundo, Júlia nos oferece beleza, coragem e a certeza de que a arte também é uma forma de rezar, agradecer e florir.
E ela floresce. Com o coração cheio de histórias, com o pincel cheio de fé.
História de Todas Nós Mulheres_edição 2025
Saiba mais:
Instagram: @juliadpaulaartista
Se você também tem uma história de superação e transformação através da arte, queremos conhecê-la. O projeto "Histórias de Todas Nós, Mulheres" é um espaço para celebrar narrativas reais de força e resiliência. Compartilhar sua trajetória pode inspirar outras mulheres a enxergarem a beleza em seus próprios processos de reconstrução. Porque quando uma mulher encontra sua voz, ela abre caminhos para tantas outras. Venha fazer parte desse movimento. Sua história merece ser contada.