Além das Aparências: quando o retrato feminino se torna fissura e força | Rudy Rahal
- Marisa Melo
- 30 de nov. de 2023
- 2 min de leitura
Atualizado: 16 de mai.

Rudy Rahal é uma artista visual nascida em São Paulo que transforma o feminino em linguagem. Seu trabalho se constrói no campo dos retratos, mas vai além da aparência. Cada rosto que emerge em suas telas é também um território de memória, força e transformação. A artista percorre gestos, cores e traços como quem revela camadas, permitindo que figuras conhecidas ou anônimas ganhem novas leituras, sempre atravessadas por uma poética própria e intensa.
Na obra, o rosto feminino deixa de ser um fim e passa a ser território. Em vez de fixar a identidade, a artista a fragmenta, a tensiona, a dobra em camadas que revelam não apenas beleza, mas fissura, sobreposição, intensidade. A pintura que vemos, com Audrey Hepburn, Gisele Bündchen e Rita Hayworth entrelaçadas como se habitassem uma só pele, não busca apenas exibir feições conhecidas, mas criar um espelho para tantas mulheres que transitam entre papéis e presenças, visibilidades e silêncios.
A paleta escura é rasgada por tons de amarelo, vermelho, branco e azul, como se a luz se infiltrasse em meio ao peso, lembrando que existe potência mesmo na vulnerabilidade. Há algo de expressão bruta e ao mesmo tempo extremamente orquestrada na forma como Rudy dispõe os rostos, em diferentes ângulos, como se cada olhar dissesse uma coisa e desdissesse em seguida. O fundo negro é tensão. É aquilo que sustenta sem se mostrar por completo.
As celebridades retratadas não surgem como ícones congelados, mas como símbolos de uma força que ultrapassa a fama. Audrey não é só Audrey, é também a mulher que serve, que ouve, que se move com leveza. Gisele traz o gesto afirmativo, o rosto que não se curva. Rita é memória e presença, fragmento e desejo. Rudy costura essas figuras com coragem e liberdade, afirmando a imagem não como adorno, mas como manifesto.
Seu estilo pictórico mistura grafismo, gesto expressionista e precisão figurativa em doses cuidadosamente desequilibradas. Cada camada parece uma tentativa de alcançar o inatingível, como se o rosto da mulher só pudesse ser compreendido se não fosse completamente revelado. A obra carrega essa ambiguidade de maneira elegante, colocando o espectador diante de um campo de perguntas.
O que é ser visível? O que é ser vista? O que permanece quando o rosto é desmontado?
A pintura não responde, ela propõe. E talvez seja essa sua maior força: transformar o retrato em campo de batalha, lugar de delicadeza e ruído, superfície que pulsa com a inquietação de todas as mulheres que já foram observadas, desejadas, silenciadas ou celebradas. Rudy pinta não para eternizar, mas para libertar. E isso se sente, mesmo no silêncio da tela.