Agda Morena e o ritmo das formas sutis
- Marisa Melo
- 20 de jun.
- 4 min de leitura
Atualizado: 22 de jun.

Para o filósofo tcheco Vilém Flusser, “a superfície da imagem não é uma janela, mas uma membrana através da qual o mundo se mostra de outro modo”. Essa percepção é especialmente relevante quando pensamos na pintura de Agda Morena, artista que transforma a superfície em um campo de deslocamento, onde a ausência de palavras se articula para formar uma linguagem própria. Suas obras não explicam, não fecham sentido, não impõem narrativa. Elas sugerem, desdobram e propõem ritmo. Em vez de contar de onde veio, Agda organiza visualmente o percurso de quem continua indo.
Agda Morena é artista visual e designer de interiores, formada pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo. Vive e trabalha na capital paulista, onde mantém seu ateliê e desenvolve sua produção em paralelo à atuação no design. Essa formação técnica aparece na clareza compositiva de seus trabalhos, na escolha consciente dos materiais e na noção de estrutura que sustenta suas imagens. Agda pinta a partir, de um campo íntimo que não se resolve em palavras. Sua prática é resultado de um processo contínuo de observação, refinamento e escolha, não como busca de um estilo fixo, mas como construção de um pensamento visual próprio.
A artista utiliza técnica mista sobre papel, combinando aquarela, acrílica e materiais que valorizam textura, transparência e ritmo. As composições seguem o ritmo das curvas e da leveza. As cores parecem dissolvidas pelo tempo, azuis, lavandas, rosas e brancos que se alternam sem pressa, criando paisagens visuais que não entregam tudo de imediato. Há algo que se forma aos poucos, longe da necessidade de explicar.
O silêncio, no trabalho de Agda, é estrutura. É no intervalo entre uma forma e outra que sua pintura respira. É no espaço que separa as camadas, nas bordas entre o real e o que apenas se insinua, que o olhar encontra profundidade. O que ela propõe não é uma leitura direta, mas uma reorganização visual do que fica. Sua pintura lida com o que escapa, com o que se forma aos poucos, com o que precisa de suspensão para existir.

Na exposição De Onde Eu Vim: reconstruindo memórias, criando caminhos, Agda apresenta duas obras da série Acqua Baile, VII e VIII. Ambas seguem a mesma linha poética de sua produção recente: papel como superfície de deslizamento, tinta como gesto diluído, e forma como consequência. Não há figura, não há representação concreta. Mas há movimento. Há algo que circula entre o olho e o papel, entre o gesto e a lembrança.
Em Acqua Baile VII, a artista trabalha com composições amplas, em que o azul e o branco se entrecruzam de forma leve, quase líquida. A obra parece conter o traço de uma dança desacelerada, onde o corpo não aparece, mas é pressentido. O fundo respira, e as formas se acomodam nele como se estivessem voltando de um lugar mais profundo. Há ritmo.
Acqua Baile VIII, o gesto é mais presente. As curvas ganham volume, a cor se adensa, e o contraste se faz mais evidente. A obra carrega o ritmo de um movimento contido, quase como se dançasse por dentro. O corpo não está visível, mas deixa sinais, como marcas de passagem. O fundo pulsa com leveza, enquanto as formas se assentam sobre ele com naturalidade, como se retornassem de um lugar íntimo. Há um deslocamento, um impulso sutil que aponta para algo que se move, mesmo sem pressa.
Agda Morena não recorre a símbolos, não força leitura. Sua pintura é sutil, mas segura. Não se apoia no óbvio, nem precisa se justificar. É firme naquilo que não precisa de explicação. Ao optar por trabalhar a partir do gesto e do espaço, a artista afirma uma forma de pensar visualmente, sem recorrer ao excesso. Sua pintura opera por sugestão, por reorganização, por deslocamento contínuo. É uma arte que convida a pensar com os olhos e a sentir com o tempo de quem vê.
No contexto da exposição, suas obras ampliam a ideia de memória como algo que não se fixa, mas se move. De Onde Eu Vim não é, para Agda, uma pergunta de origem, mas um processo. E é esse processo que ela transforma em pintura, sem pressa, sem ruído, com clareza e profundidade.
Curatorial:
A exposição propõe um mergulho em fragmentos, de memória, tempo e identidade. Cada obra parte de experiências vividas ou transformadas, onde o passado se mistura ao presente e o pessoal encontra formas visuais de reorganização.
O coletivo constroi imagens que não seguem narrativas lineares, mas sugerem percursos.
O que se vê é uma origem fixa, um processo. Cada trabalho reposiciona perguntas sobre quem somos, de onde viemos e o que, de fato, escolhemos levar conosco.
Visite a exposição:
De Onde Eu Vim: reconstruindo memórias, Criando Caminhos
Realização: UP Time Art Gallery
Curadoria: Marisa Melo
Local: Shopping West Plaza - Av. Francisco Matarazzo, s\n - Água Branca
São Paulo - Piso I - Bloco C
Horário de shopping
