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A Releitura de Valéria Vecchi da Obra 'Cristo de San Juan de la Cruz'

Atualizado: 16 de mai.


" Cristo de San Juan de la Cruz " Valéria Vecchi - acrílica sobre tela painel - 160 X 90 cm_2024/São Paulo - Brasil



Há obras que, uma vez vistas, se alojam em nós como visões. “Cristo de San Juan de la Cruz”, pintado por Salvador Dalí em 1951, é uma dessas. Obra que paira entre céu e mar, entre o corpo e o espírito, entre o delírio e a reverência. Em sua releitura, a artista Valéria Vecchi não tenta competir com essa grandeza, ela a escuta. E ao escutá-la, responde com delicadeza, com precisão e, sobretudo, com uma outra profundidade.


Valéria é formada pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo e conhecida por sua habilidade em dialogar com os mestres sem perder o fio da própria voz. Aqui, ela se aproxima de Dalí como quem reconhece uma paisagem familiar: o surrealismo, sim, mas também o gesto técnico apurado, o respeito pela forma, a entrega simbólica. Sua homenagem é uma espécie de reconstrução do olhar.


Dalí criou um Cristo visto de cima, com o corpo projetado sobre uma cruz que não repousa no chão, mas levita sobre um espelho d’água. Um Cristo sem sangue, sem coroa, sem pregos. Uma figura transcendida, quase cósmica, pairando sobre um cenário que mistura misticismo e arquitetura de sonho. A cena acontece em Port Lligat, e os pequenos barcos abaixo nos lembram: a vida continua. E mesmo o divino, ali, não se impõe com dor, mas com presença.


Na versão de Valéria, o que se transforma não é o tema, é o eixo. A artista desloca o ponto de vista. Ela se aproxima da parte inferior da cena, onde o humano acontece. Lá onde os pescadores tocam o mundo com as mãos, onde o cotidiano pulsa. Esse movimento sutil, quase invisível, muda tudo. Não estamos mais no alto, observando o sagrado. Estamos embaixo. E é de baixo que Cristo nos vê.


Esse deslocamento, feito com rigor técnico e consciência simbólica, é também uma escolha filosófica. Valéria nos recorda que a grandeza não está apenas no que paira sobre nós, mas também naquilo que nos olha quando seguimos, discretos, com a vida entre os dedos.


Sua paleta permanece fiel à densidade original da obra, com os ocres quentes do corpo, os negros profundos da cruz e os azuis tênues que emolduram o céu refletido. Mas há nela um frescor silencioso, uma limpidez no gesto, que renova a imagem sem trai-la. A luz é pensada, a sombra é respeitada. Nada ali grita. Tudo respira.


A releitura não se pretende original no sentido óbvio da palavra, ela é, antes, um mergulho. Um modo de dizer: “eu vi”. E mais que isso, “eu vi de outro lugar”. Porque Valéria não copia, ela reposiciona o sentido. Sua técnica não é uma repetição, mas um instrumento para revelar outra camada, uma nova escuta. E é isso que torna a sua homenagem uma obra em si.


É preciso coragem para dialogar com uma obra icônica sem cair no literal. Coragem e domínio técnico. Valéria possui ambos. Mas o que mais impressiona, talvez, seja o respeito silencioso com que ela entra na cena. Ela não quer substituir Dalí. Quer caminhar ao lado. Com outra intenção, com outro ponto de fuga, mas com o mesmo desejo de tornar visível o invisível.


Em tempos em que o gesto rápido tenta sobrepor o gesto profundo, é comovente ver uma artista que ainda escuta a pintura. Que se curva para compreendê-la antes de transformá-la. Que sabe que uma releitura verdadeira não é um espelho, é um eco. E o eco, quando nasce do lugar certo, não apenas repete: ele amplifica.

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