Recortes Contemporâneos | A linguagem como relação na arte contemporânea
- Marisa Melo

- 29 de jul.
- 2 min de leitura
Atualizado: 17 de set.

Toda obra que se articula no presente carrega um debate com a linguagem. Não como recurso, nem como código formal, mas como campo de decisão. A linguagem não é neutra. Ela organiza, define as aproximações, regula as margens do que pode ou não ser compartilhado. Não se trata de representar algo. Trata-se de criar uma forma de presença no mundo.
O trabalho do artista que opera na contemporaneidade não está mais apenas ligado à execução de uma técnica. Está ligado à consciência sobre os regimes simbólicos nos quais sua criação se vinculam. Quando falamos de linguagem, falamos também de estrutura, de ideologia, de política do olhar. Todo gesto carrega implicações que o influenciam, mesmo quando não declaradas.
Criar, nesse contexto, exige deslocamento. Não basta organizar elementos visuais. É preciso compreender as forças que os sustentam. A linguagem é o lugar onde a obra encontra o outro. Um campo partilhado, mas não necessariamente acordado. É aí que se instala a tensão criativa: entre o que se pretende dizer, o que se permite mostrar, e o que escapa, mesmo contra a vontade.
A arte conceitual, e suas reverberações nos processos atuais, escancarou a fratura entre forma e conteúdo, entre objeto e proposição. Esse rompimento exige do artista uma posição ativa diante da linguagem. Não se cria a partir do nada, nem se repete um modelo. A linguagem, não é consequência, é matéria. É pelo modo como se organiza o visível e o não-visível que a obra adquire densidade.


Marisa Melo desloca o entendimento de figuração. Recusa os códigos prontos da arte declaratória. Em vez disso, constrói um léxico visual que implica ética e percepção. A pintura se configura como forma de pensamento. Ao escolher como dizer, a artista também escolhe o que pode ser sentido. Não se trata de ilustrar ideias, mas de convocar o olhar para as zonas onde a linguagem falha, para então começar.
A história da arte não é uma cronologia. É um campo de disputas que molda as possibilidades de dizer. Ignorar esse lastro é também uma escolha, mas uma escolha cega, que repete estruturas enquanto acredita rompê-las. A linguagem não se neutraliza pela intuição. Ela é um dispositivo de poder que opera mesmo em silêncio.
Pensar a linguagem como interação é aceitar que toda obra é também uma abertura. Um convite ao contato, ao estranhamento. A potência do que se constrói artisticamente está menos na afirmação de um estilo e mais naquilo que a forma convoca. As imagens não falam sozinhas. Elas dependem do campo em que se instalam. E o modo como o artista lida com esse campo revela se sua prática incide criticamente sobre o mundo ou apenas o reproduz.
A linguagem, nesse sentido, é corpo ético. Cada escolha formal revela uma posição. Cada estrutura construída carrega implicações. O que se diz, o que se omite, o que se reitera, tudo isso forma o lugar do artista no tempo. Por isso, não se trata apenas de estilo. Trata-se de consciência. A linguagem é território em disputa.
Marisa Melo


