
MARISA MELO

Projetos Autorais
Ao longo de três décadas, tenho tecido um universo visual através de minhas pinturas e fotografias. Minha jornada artística é marcada por uma diversidade de fases, cada uma pulsando com sua própria energia e expressão. Desde as formas abstratas até as representações figurativas, minhas obras refletem um profundo mergulho na alma humana e na paisagem emocional. Toda obra é única e genuína.
Ciclos Ancestrais:
O Corpo como Cronômetro.
Ao longo de três anos de pesquisa e experimentação plástica, desenvolvi uma série composta por 25 obras que propõem uma reflexão visual e conceitual sobre a anatomia do corpo humano enquanto dispositivo de medição do tempo. Neste conjunto, o corpo não é apenas representação formal, mas matéria pulsante, tensionada entre presença e ausência, passado e futuro. Ele assume a função de cronômetro sensível, onde cada gesto e cada deformação revelam o fluxo temporal em sua densidade.
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A escolha por formas alongadas, pescoços arqueados e volumes sinuosos inscreve o tempo como um percurso interno, orgânico, que se projeta no espaço pictórico como linha viva de transformação. A série é atravessada por uma abordagem sensorial e intuitiva, mas sustentada por um rigor construtivo, em diálogo direto com a escultura africana, matriz estéticA que estrutura a obra como uma arqueologia da ancestralidade.
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Nesse contexto, o corpo ultrapassa sua dimensão física e se torna um instrumento de leitura. Ele nos recorda que o tempo não é uma sucessão linear de eventos, mas uma experiência contínua e expandida, onde o sujeito é simultaneamente presença e ausência. A memória, o desejo e a perda se condensam em superfícies entre o que se mostra e o que se esconde.
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A paleta restrita, dominada pelo preto e pelo branco, confere à série uma sobriedade dramática. Esses tons, em sua oposição, não apenas delimitam forma e fundo, mas acionam simbolicamente os polos da existência: luz e sombra, ser e não-ser, permanência e dissolução. O uso pontual do vermelho, etéreo e vibrante, atua como elemento de ruptura e vitalidade, evocando o sangue, a respiração e o ciclo orgânico da vida. É esse vermelho que delimita o tempo como corpo e emoção, aquilo que pulsa mesmo na aparente imobilidade.
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O cronômetro é o eixo conceitual da série: uma metáfora visível da passagem, da repetição e da reinvenção cíclica que nos constitui. É o tempo marcado na pele, nas articulações, nas torções que o corpo carrega como registro da experiência.
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Cada obra dessa série é, um fragmento de um tempo imensurável, impresso na carne e na memória. Ao propor essa leitura, convido o espectador a deslocar o olhar, do exterior para o interior, do instante para a duração, e a refletir sobre sua própria relação com a finitude, com os ritmos que nos atravessam e com a permanência silenciosa que se esconde naquilo que parece efêmero.
